6 de junho de 2025

Tempo de Leitura: 4 minutos

Hoje estou com um nó na garganta materno com a falta de acolhimento a autistas adultos. È que minha filha Sophia publicou um texto sobre crises e a dor da invalidação na vivência autista. Lidar com a incompreensão alheia é um desafio constante. No entanto, torna-se particularmente doloroso quando parte de quem imaginamos que deveria entender, ou ao menos se esforçar para tal.

O nó na garganta materno com a falta acolhimento a autistas adultos

Tentei explicar para a pessoa que estava magoada com minha filha, dialogar, na crença de que estamos sempre aprendendo com as vivências práticas da vida. Contudo, encontrei uma pessoa assustada e, ao mesmo tempo, irredutível em seus pensamentos. Nesse ponto, optei por me calar. Se o outro não quer ouvir, insistir só reforça o embate, e um diálogo precisa ter um propósito construtivo.

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O que me entristeceu profundamente foi constatar: “Que pena. A pessoa milita pela inclusão, cobra essa postura da sociedade, mas quando uma situação a atinge diretamente, ela mesma não consegue agir de maneira inclusiva.” É verdade que ninguém nasce sabendo. Porém, de um profissional, especialmente um com vivência familiar no espectro, espera-se uma maior sensibilidade e preparo.

Crises e a falta de acolhimento a autistas adultos

Percebo, então, uma tendência preocupante: à medida que a pessoa autista cresce, parece que sua permissão para manifestar características autênticas diminui. Um adulto em crise? Um adulto que expressa seus pensamentos com a franqueza típica do autismo? Para muitos, isso se torna inadmissível. Chega a ser desconcertante quando, pouco tempo depois de uma situação crítica, essa mesma pessoa que demonstrou dificuldade em lidar com minha filha, Sophia, escreve um texto romantizando as “profundezas” do autismo de seu próprio filho.

Entendo que as vivências são diversas, os níveis de suporte variam – o filho dela, por exemplo, tem um nível de suporte maior e não é oralizado. Mas isso não anula a experiência de Sophia. Para essa pessoa, o que Sophia vivenciou foi interpretado como um mero “chilique”. E essa é a impressão dolorosa que permanece.

O impacto devastador da invalidação

Essa falta de compreensão e acolhimento trouxe um transtorno imenso para nossa casa. Isso porque Sophia ficou profundamente mal. Aliás, ela chegou a um ponto extremo de sofrimento, buscando o autoextermínio. É uma lembrança que me corta a alma e da qual evito até falar. Felizmente, ela foi socorrida e tudo ficou bem fisicamente. No entanto, as cicatrizes emocionais são profundas. Em certos momentos, percebo que o trauma ressurge e ela revive todo o ressentimento daquela experiência. Isso é terrível, pois não é esse o presente que desejo para minha filha. Esse tempo de angústia não combina conosco, de forma alguma.

E mesmo quando ela não expressa verbalmente, sei que o sofrimento está ali, latente. Muitas vezes, Sophia fala sonhando, e sei que os pesadelos revisitam esses episódios. Quase sempre preciso acordá-la, lembrando-a de que é só um pesadelo, que estou ali. É o sofrimento se manifestando até no inconsciente.

Como agir (e não agir) diante da crise alheia

Minha postura habitual é levar informação, tentar esclarecer. Mas compreendo que, mesmo informada, uma pessoa pode ou não dar conta de lidar com a situação. E está tudo bem não dar conta. O que não se pode fazer é difamar o outro por conta disso. Se alguém escolhe não lidar, como foi o caso, não deveria entrar em discussão, pois do outro lado há uma pessoa neurodivergente que está sofrendo. E essa atitude só “coloca gasolina na fogueira“.

Se a pessoa sente que não quer, não merece ou que a situação está “enchendo a paciência“, é um direito dela se afastar. Mas que não devolva essa carga negativa no momento da crise, pois isso é de uma crueldade imensa. Afinal, uma conversa pode ocorrer depois, com os ânimos acalmados. Contudo, precisa ser uma conversa construtiva, senão a crise pode retornar com força total.

É a segunda vez em minha vida que me deparo com “profissionais da inclusão” que, quando a realidade bate à sua porta, não sabem como lidar com a mesma situação que tanto defendem para os outros em seu discurso. E em seu marketing pessoal e profissional.

A tríade essencial: empatia, respeito e acolhimento

É natural que, à medida que as crianças crescem, mães e cuidadores desenvolvam diferentes capacidades de lidar com os filhos uns dos outros. Mas alguns princípios são universais e inegociáveis: empatia, respeito e acolhimento. Se alguém está em uma relação direta com uma pessoa em crise e sente que não consegue ajudar, ou que pode até piorar a situação, a atitude mais honesta e compassiva seria dizer: “Olha, sinto muito, mas não consigo te ajudar neste momento e temo piorar as coisas. Vou me reservar a ficar aqui.” Assim, a pessoa pode até se afastar da interação, mas ao menos sinalizou com respeito. O que não pode acontecer é o embate seguido do silêncio, abandonando o outro no olho do furacão. Isso é maldade.

Espero, sinceramente, que essa pessoa reflita, até porque seu filho também vai crescer. Independentemente de ele desenvolver ou não a linguagem oralizada, ele será um ser humano que precisará desse olhar atento, desse cuidado, especialmente com suas especificidades. Gostaria que ela tivesse tido essa consideração comigo e com Sophia. Se ela não deu conta, tudo bem. O que me fere é a tentativa de difamar para justificar a própria incapacidade de lidar. Ela apenas não deu conta, e isso, por si só, não seria um problema.

O caminho do meio: responsabilidade e suporte Mútuo

É crucial entender o seguinte: ser autista, possuir um cérebro neurodivergente, não concede uma procuração para desrespeitar, brigar ou agir de má fé. No caso de Sophia, na situação que relatei, não foi isso que aconteceu. Digo isso porque muitos interpretam erroneamente que “qualquer coisa que o autista falar, tenho que aceitar porque é o jeito dele“. Não é assim. No momento de uma crise aguda, afastar-se pode ser necessário, sim, mas a convivência exige equilíbrio.

É por isso que o acompanhamento terapêutico é tão vital, muitas vezes para a vida toda. Eu mesma, Selma, celebro conquistas como a da minha psicóloga, Andressa Antunes, que agora está estendendo seu atendimento para mais adultos autistas – antes, eu era uma exceção. Isso é um reconhecimento da necessidade contínua de suporte.

O que devemos buscar sempre é um caminho do meio, pautado pela empatia, pelo acolhimento e pela amorosidade. A rede de apoio também precisa desse suporte, desse tratamento, para aprender a lidar com as situações, porque eu sei que dói. Mas, às vezes, a dor e a reação não dependem da pessoa autista. E todos precisamos de acompanhamento para navegar por esses desafios da melhor forma possível.

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Jornalista e relações públicas, diagnosticada com autismo, autora dos livros "Minha Vida de Trás pra Frente", "Dez Anos Depois", "Camaleônicos" e "Autismo no Feminino", mantém o site "O Mundo Autista" no Portal UAI e o canal do YouTube "Mundo Autista".

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