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No terceiro episódio da série “Corporeidades Divergentes: Interfaces Típicas”, projeto da Universidade Federal do Vale do Jequitinhonha e Mucuri (UFJVM), falei sobre a Neurodiversidade no Ensino Superior. Então, tive uma conversa franca com os professores universitários autistas Luiz Henrique Magnani e Maurício Mendes.
Dessa forma, explorei minha jornada desafiadora pelo sistema educacional e universo profissional. Assim, mostro as barreiras do capacitismo e a busca por inclusão real. Com isso, o vídeo evidencia como a neurodiversidade molda experiências em ambientes frequentemente neurotípicos.
Diagnóstico e a escrita como voz para uma autista
Neste bate-papo sincero, compartilhei com Luiz Henrique e Maurício detalhes sobre meu diagnóstico, as previsões que desafiei, e como a escrita virou minha voz. E revelei: “Na adolescência, chegaram a sugerir que eu servisse café, mas eu não tenho competência para isso, minha mão fica tremendo, derramaria café em todo mundo. Era uma profissão considerada “menor” pelos especialistas, mas que, segundo eles, seria o que eu daria conta dentro das minhas características. Mas eu me vejo de uma maneira muito diferente. Acho que eu não sabia o que era impossível, então fui lá e fiz. Realmente, sempre me vi de forma diferente, mesmo antes de conhecer conceitos como neurodiversidade e o modelo social da deficiência”.
“Com 12 anos, comecei a escrever minhas primeiras críticas de cinema, minha primeira forma de comunicação com o mundo. Era a maneira de criar conteúdo e me expressar. Tinha hiperfoco nisso, gostava muito. É interessante que, naquela avaliação neuropsicológica, colocaram que eu preferia livros de estatísticas a ficção. Gente, eu adoro ficção, sempre preferi! Mas foi porque minha mãe disse que eu lia um livro sobre os países visitados pelas “Três Espiãs Demais”, um desenho que eu assistia. Então, a pessoa julgou que eu preferiria estatísticas. Essa visão de que, por ser autista, eu tinha que preferir estatísticas. Também registraram que eu não fui afetiva com quem aplicou o teste. Mas, como ser afetiva se a pessoa não te dá nenhuma abertura?”, pontuei.
Experiências de inclusão para autistas na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Além disso, relatei na entrevista o meu processo de inclusão escolar até a graduação, assim como as dolorosas experiências de exclusão e tokenização na universidade. Sobre concluir um mestrado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), contei que o que me assustou foi a diferença entre discurso e prática: “Se fosse em um lugar que dissesse “Odeio autistas”, eu poderia conversar e talvez aprender. Mas lá era “Somos maravilhosos, incluímos esses ‘defeituosos’”. O currículo de alguns professores ficou ótimo com pesquisas feitas por alunos, mas eu não pesquisava o que queria. Eu não era feliz lá. Foi difícil porque a minha dignidade não era respeitada. Coisas básicas, muita ofensa. E por fora, o discurso de inclusão.”
O Maurício concordou comigo. E contou: “Vim da licenciatura em Educação do Campo, onde havia cooperativismo. Eu lia livros da UFMG, via lives, e idealizava aquele espaço. E, por incrível que pareça, foi um dos lugares onde senti preconceito na pele, vivi situações onde fui feito de idiota e só percebi muito tempo depois. Chegamos cheios de sonhos, vemos a universidade maravilhosa, mas a inclusão no dia a dia não acontece. Minha orientadora de mestrado, Profª Ana Mattiello, também autista, enfrenta barreiras. Minha terapeuta passou uma tarde inteira com uma paciente que entrou em Medicina, tentando explicar adaptações óbvias, e o pessoal não entendia ou fingia não entender. É importante usar este espaço para dizer isso: fala-se muito de inclusão, mas na hora H, encontramos barreiras.“
Apoio da família e de mentores é crucial para a neurodiversidade no ensino superior
Essas vivências contrastam com o apoio crucial da família e de mentores. “O Gustavo [meu orientador no doutorado, que é autista] está no patamar de outro orientador que tive (no TCC), o Maurício Guilherme Silva Júnior, que não é autista. Ambos são figuras maravilhosas, empáticos, incentivaram meu crescimento. O Maurício (orientador do TCC) tinha escuta aguçada, curiosidade, se permitia conhecer a pessoa a partir dela, não impondo.”
“Com o Gustavo, isso flui mais naturalmente, porque ‘funcionamos’ igual. Muitas coisas que eu teria dificuldade de explicar, ele entende com facilidade. Por outro lado, penso que estamos mais expostos, que ele também deve ter dificuldades de acessibilidade como professor. Nunca pensei que os autistas deveriam ficar separados de neurotípicos. Isso seria segregação. Aprendemos muito no contato. Mas com o Gustavo, o processo tem sido rápido e fácil. Ele e o Maurício (do TCC) moram no meu coração. São parceiros maravilhosos, grandes orientadores. Tenho reverência, os enxergo acima de mim pelo conhecimento e vivência que ainda não tenho.”
Representatividade e resiliência da neurodiversidade no ensino superior
A conversa aborda, ainda, as nuances da comunicação autista, a importância da representatividade e a força da resiliência. Assim, afirmei que “não vejo problema em ser exemplo no sentido de as pessoas se identificarem. Coloquei minha vida nesse lugar como produtora de conteúdo: as pessoas me veem e enxergam possibilidades para si, para o que podem ser, o que não foram, mas superaram ou transformaram. Não sou melhor nem pior. O que me incomoda é quando isso serve a outro discurso que não o bem das pessoas. Acredito que jornalismo/informação é aquilo que as pessoas não querem ouvir; o resto é publicidade. Temos obrigação ética de refletir. Muitas vezes usam a ciência como “carteirada”, mas um dado por si só não significa nada. A experiência problematizada sim, e envolve muitas áreas.“
“A utopia é importante: Acho que tudo começa com mentalidade e atitude. Se invertêssemos o movimento de esperar que todos ajam de uma forma e tivéssemos a atitude de olhar para a pessoa e criar a partir dela… Hoje temos redes nas universidades que permitem melhor acompanhamento. Não só no autismo, mas na TPM, em outras especificidades a serem olhadas. Menos julgamento, mais acesso à informação, menos preconceito. Lembro de uma frase que o valor do ativismo autista é mostrar que não há um padrão de funcionamento. Respeitando isso, entendendo a diversidade como motor da criatividade (como prática, não discurso bonito), nos questionando, buscando auto-aprimoramento, diálogo e contato com o outro… Penso que é por aí.“, concluí.