1 de dezembro de 2021

Tempo de Leitura: 4 minutos

Atente-se ao duplo diagnóstico

Até há pouco tempo, não se sabia muito sobre a possibilidade de pessoas autistas terem, também, um Transtorno de Personalidade (TP). 

Todos que lidam com o Transtorno do Espectro do Autismo -TEA costumam verificar que cada autista é diferente de outro. Na verdade, todos os autistas possuem uma personalidade, o que torna possível que uma porcentagem deles tenha um transtorno de personalidade (TP) ao mesmo tempo em que é autista. 

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“Pacote”

O TEA costuma vir com um “pacote’ de condições coexistentes único para cada criança, jovem ou adulto. Sendo assim, não é raro encontrar autistas com outros transtornos. A maior dificuldade consiste na avaliação clínica por neurologistas (TEA) e psiquiatras ou psicólogos certificados no tratamento psicossocial (TP). Assim como o TEA, o diagnóstico do TP é clínico. No caso do TEA, o diagnóstico adicional de um transtorno de personalidade é bem mais complexo de ser efetuado com precisão, já que existe tão pouca literatura sobre o duplo diagnóstico de transtorno neurológico associado ao de personalidade.

Segundo o professor de Psicologia Richard Vuijk, do Centro de Expertise em Autismo SARR (Holanda),  há pouca literatura sobre autismo e personalidade, caráter e temperamento. O cientista considera que a heterogeneidade do autismo se deve à personalidade de cada indivíduo autista. Isso explicaria por que alguns autistas dentro do mesmo nível de suporte, e com as mesmas comorbidades, permanecem tão diferentes entre si. No caso, o modo de interagir com outra pessoa seria marcado pelo autismo e pela personalidade do autista. Em outras palavras, a eficiência de um mesmo treinamento de habilidades sociais para diferentes pessoas autistas pode trazer diferentes resultados em autistas com personalidades distintas: com ou sem transtorno de personalidade; mais ou menos sociáveis; mais ou menos introvertidas, de acordo com suas características de temperamento.

O Professor Vuijk e outros cientistas holandeses realizaram uma pesquisa sobre a personalidade em pessoas neurotípicas e em pessoas autistas, cujo resultado mostrou uma substancial porcentagem de pessoas autistas com problemas acarretados pela personalidade, ou um transtorno de personalidade. Apesar desse estudo inicial, o cientista diz que ainda é preciso muito mais pesquisas sobre o tema.

Transtornos de personalidade

Fala-se de transtorno quando as características da personalidade de um indivíduo são extremas a ponto de prejudicarem sua adaptação às situações e interpelações no seu dia a dia. Pessoas com TP permanecem “presas” por mais tempo aos desafios da vida, tanto em casa quanto no trabalho, e em relações afetivas. Geralmente, são padrões generalizados e persistentes que causam sofrimento significativo ou comprometimento funcional. Os TP variam em suas manifestações, mas acredita-se que todos sejam causados por fatores genéticos e ambientais. Cerca de 50% dos casos de TP são hereditários, ao contrário do pensamento geral de que sejam decorrentes das experiências vividas em um ambiente adverso (ambiental).  

Assim como no TEA, no transtorno de personalidade, o contato com outras pessoas é dificultado, o que até há uma década dava a impressão de que uma pessoa autista não teria os dois transtornos, o que já sabemos ser incorreto.

Quais os tipos de TP?

Os transtornos de personalidade são padrões de comportamento pouco adaptativos generalizados que comprometem as relações sociais de um indivíduo e seu próprio bem-estar. Pessoas com TP costumam perceber a si mesmas e ao mundo de modo inadequado. À medida que crescem (personalidade em formação), desencadeiam, por vezes, comportamentos intensos e incontroláveis.

O DSM-5 define vários transtornos de personalidade, sendo os mais conhecidos: transtorno de personalidade borderline, transtorno de personalidade narcisista, transtorno de personalidade antissocial, transtorno de personalidade obsessivo-compulsivo (TOC ou TPOC). Existem outros mais, e vale a pena ler sobre todos eles, assim como de seus respectivos sintomas e formas de tratamentos.

Terapia Esquemática

Em 2020 iniciou-se uma pesquisa sobre a efetividade da schemapsicotherapie (psicoterapia esquemática) no tratamento de pessoas autistas com transtorno de personalidade. Essa é uma forma de psicoterapia que utiliza elementos de:

  1. Terapia cognitivo comportamental (Aaron Beck) – psicoterapia direcionada para solucionar problemas atuais e ensinar clientes a desenvolverem habilidades a fim de modificar pensamentos conscientes e comportamentos.
  2. Psicoterapia experiencial (Eugene Gendlin; Carl Rogers) – processo de atenção à própria experiência, buscando esclarecer o que contribui para a mudança terapêutica de personalidade.
  3. Terapias psicodinâmicas (Freud, Klein, Jung, Lacan) – abordagem da psicologia diretamente ligada às teorias trabalhadas pela Psicanálise; uma terapia profunda com o foco de revelar o conteúdo inconsciente da psique de um cliente com a finalidade de aliviar a tensão psíquica.

A Terapia Esquemática se concentra no entendimento e mudança de padrões limitantes de comportamento. Esses padrões são chamados de “esquemas”, ou seja, padrões de comportamento que se repetem constantemente na vida do indivíduo e definem como ele encara a própria vida, a vida dos outros, e o mundo à sua volta, assim como os sentimentos, pensamentos e comportamentos influenciados por essa percepção. Esquemas (negativos) têm origem na infância, quando as necessidades básicas não foram supridas: segurança, proteção, autonomia, reconhecimento e limites. Quando adultos, os esquemas negativos (ou prejudiciais) alteram a maneira sadia de encontrar satisfação, cuidar de si mesmo, física e emocionalmente.

Apesar de suas qualidades, a Terapia Esquemática ainda é pouco aplicada em pessoas autistas. O Prof. Vuijk aconselha os autistas com problemas de personalidade a pedirem a seus médicos um laudo que viabilize o tratamento com este tipo de terapia.

Além das terapias psicossociais (principal tratamento), pacientes podem ser tratados com medicação, lembrando que estas ajudam a controlar sintomas como ansiedade extrema, explosões de raiva e depressão, não atuando como solução para o transtorno de personalidade. 

Mantenha o positivismo

Os transtornos de personalidade são muitas vezes resistentes à mudança, mas muitos se tornam menos graves ao longo do tempo. Existe ajuda para o autista que não parece obter resultados com a terapia focada somente no autismo. Profissionais da saúde mental devem estar atentos à possibilidade de haver um duplo diagnóstico (complexo) e oferecer ao paciente a combinação de terapias que, com certeza, farão alguma diferença positiva na qualidade de vida da pessoa dentro do TEA com problemas de personalidade.

A seguir, veja os  links com dicas de leitura sobre TP.

 

CONTEÚDO EXTRA

Informações sobre o Prof. Dr. Richard Vuijk

https://www.sarr.nl/over-ons/team/-/richard-vuijk 

http://www.autismespectrumnederland.nl/contact/ 

Dicas de leitura sobre TP:

https://www.psicologoeterapia.com.br/blog/10-tipos-de-transtornos-de-personalidade/

https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/transtornos-de-personalidade/vis%C3%A3o-geral-dos-transtornos-de-personalidade

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Jornalista, mãe de um autista adulto, radicada na Holanda desde 1985, escritora — autora do livro Caminhos do Espectro (lançado no Brasil em dezembro de 2021) —, especialista em autismo & desenvolvimento e autismo & comunicação, além de ativista internacional pela causa do autismo.

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