1 de junho de 2022

Tempo de Leitura: 6 minutos

2% a 5% dos autistas podem ter a síndrome, causa hereditária mais comum de deficiência intelectual

Atualmente, com o apoio da opinião pública, pesquisas e conhecimento médico, o transtorno do espectro do autismo (TEA) é muito mais conhecido e difundido. No entanto, existe uma condição de saúde correlata, muitas vezes diagnosticada como autismo, de pouco conhecimento da população: a síndrome do X Frágil (SXF).

Como a síndrome apresenta muitos sintomas e sinais não específicos, acaba dificultando a definição do quadro clínico de pessoas com essa condição de saúde. Por essa razão, muitos são diagnosticados com autismo, TDAH (transtorno de déficit da atenção com hiperatividade), até mesmo com o antigo diagnóstico de síndrome de Asperger, entre outros. A Síndrome do X Frágil é uma condição hereditária que causa deficiência intelectual de graus variáveis e pode ter sinais comportamentais importantes, muitas vezes dentro do espectro do autismo.

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ExpoTEA

Segundo Luz María Romero, gestora do Instituto Buko Kaesemodel (IBK), o desconhecimento a respeito da síndrome ainda é muito grande. “Hoje sabemos que, dos pacientes diagnosticados com a SXF, até 60% deles também são autistas. Se levarmos em conta que o Brasil tem, hoje, aproximadamente 2 milhões de autistas — segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) — e 2% a 5% desse total possui a síndrome do X Frágil, temos aproximadamente 100 mil pessoas com a síndrome e a imensa maioria sem diagnóstico, o que inviabiliza os tratamentos corretos para uma melhor qualidade de vida”, explicou ela. 

Apesar de pouco conhecida e difundida, a SXF é a causa hereditária mais comum de deficiência intelectual. Infelizmente, mesmo sendo de incidência tão comum, a SXF tem diagnóstico difícil e, muitas vezes, é desconhecida até mesmo por profissionais das áreas de saúde e de educação. “Um dos principais motivos para a demora de um diagnóstico clínico mais preciso são as semelhanças com os sintomas e sinais da condição do espectro do autismo”, completou Luz María.

Traços físicos típicos

Segundo a gestora, as pessoas afetadas pela síndrome do X Frágil apresentam atraso no desenvolvimento, com características variáveis de comprometimento intelectual, distúrbios de comportamento, problemas de aprendizado e na capacidade de comunicação. “Em geral, os sintomas se manifestam mais severamente nos homens. Na maioria das vezes os primeiros sintomas surgem entre os 18 meses de vida e os 3 anos de idade”, destacou.

Existem alguns traços físicos típicos nas pessoas com a síndrome: face alongada e estreita, orelhas largas em formato de abano, mandíbula e testa proeminentes, palato alto, testículos aumentados (macroorquidismo), dedos e articulações extremamente flexíveis, estrabismo, entre outros sinais menos frequentes. É importante lembrar que cada pessoa com a SXF possui características próprias e a síndrome pode se manifestar de maneiras diferentes em cada um.

Sabrina Muggiati, idealizadora do programa “Eu Digo X”, do Instituto Buko Kaesemodel, conta que seu filho, hoje com 17 anos, foi diagnosticado aos 5 anos como autista. “Logo nos seus primeiros anos de vida, chorava muito e era extremamente agitado. Muita dificuldade de compreensão, mas ao mesmo tempo um carinho com as pessoas próximas. Ele vivia no seu mundo, um mundo à parte. Com o passar do tempo, já diagnosticado como autista, percebemos que ele não se desenvolvia adequadamente, sendo bem diferente de outras crianças com o mesmo diagnóstico”, comentou a mãe.

Em busca de uma definição clínica precisa, Sabrina conta que consultaram inúmeros profissionais de medicina, até que depois de muito tempo, aos 8 anos, o diagnóstico final veio. “Meu filho além de autista era X Frágil”, relembrou Muggiati.

Cada família: 7 a 8 casos

Hoje o IBK realiza a análise de rastreabilidade de famílias de indivíduos com SXF. Estima-se que a cada caso de SXF encontrado em uma família, descobre-se, em média, mais 6 ou 7 casos. E através da pesquisa realizada pelo programa “Eu Digo X”, isto vem se confirmando. “Por isso, levar o conhecimento à população, dar as orientações necessárias e realizar o diagnóstico precoce é tão importante”, reforça Luz María.

Para Sabrina, é fundamental determinar um diagnóstico preciso tão logo se manifestem os primeiros sinais ou suspeitas, em especial quando se trata do primeiro caso de SXF identificado na família. “Somente um diagnóstico conclusivo permitirá que se busque o tratamento e o atendimento adequados para uma criança afetada pela SXF. Para isso, faz-se necessário um teste de DNA, por meio de um exame de sangue ou saliva que é analisado em um laboratório de genética. Esse exame é indicado para homens e mulheres que apresentem algum tipo de distúrbio de desenvolvimento ou deficiência intelectual de causa desconhecida, em casos de autismo ou histórico familiar de síndrome do X Frágil”, explica.

“O medo e a falta de informação às vezes são piores do que o preconceito. Por isso são tão importantes a divulgação e o prognóstico para a realização de um plano terapêutico, evitando procedimentos inadequados”, enfatiza Luz María. As terapias surtem maior efeito quanto antes forem adotadas e são fundamentais para garantir os cuidados necessários. “Portanto, o melhor tratamento são: o diagnóstico precoce e a adoção imediata de medidas que ajudem a atenuar alguns sintomas e proporcionem uma vida saudável para estas pessoas”, pontuou.

“O diagnóstico genético precoce da síndrome do X Frágil é fundamental para que medidas terapêuticas sejam adotadas o mais rápido possível, favorecendo o desenvolvimento da criança, e também como forma de amenizar muitos dos sintomas comportamentais e de desenvolvimento motor que acometem as pessoas com a síndrome. Além disso, essa síndrome é a condição mental genética e hereditária mais comum na população humana, e por conta disso, o teste genético também permite identificar outros membros da família que são portadores de uma pré-mutação, que está relacionada com a ocorrência de outras doenças no indivíduo, e elas também podem ter filhos com mutação causal da SXF”, explicou o pesquisador Roberto Hirochi Herai, bioinformata da Tismoo e diretor científico voluntário do Instituto Buko Kaesemodel. Ele ainda reforça que “pesquisas realizadas com dados de pacientes com a SXF permitem identificar novos tipos de mutações genéticas no gene FRM1 que também podem causar a síndrome, mas que não são detectadas por laboratórios de rotina. Portanto, é fundamental um olhar de um especialista em genética de transtornos mentais para identificar se mutações atípicas podem estar causando os sintomas da SXF”, frisou Herai, que também é professor de genética no curso de medicina e pesquisador do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).

O programa “Eu Digo X” tem 775 pessoas cadastradas em seu banco de dados. Imaginando-se que, destas, cerca de 80% têm diagnósticos confirmados, se multiplicarmos esse valor por seis, resulta em aproximadamente 3.798 casos”

Diagnóstico da síndrome do X Frágil

A síndrome do X frágil afeta cerca de 1/4.000 homens e 1/6.000 mulheres. A pré-mutação é mais comum, a estimativa é de 1 caso a cada 256 nas mulheres; e 1 a cada 813 nos homens. As mulheres com a disfunção são menos afetadas do que os homens. O X frágil é herdado em um padrão ligado ao cromossomo X (que as mulheres têm 2 cópias: XX) e por isso causam graus muito variados, que em muitos casos nem sempre há sintomas clínicos na população feminina.

Segundo Luz María, o melhor método para o diagnóstico da SXF é a análise do DNA em amostra de sangue. “O exame citogenético (cariótipo) não deve ser utilizado, pois, com frequência, apresenta resultados falso negativo e falso positivo. Hoje os testes indicados são o PCR (Reação em Cadeia da Polimerase) e o Southerm blot, que mede o tamanho da repetição do CGC”, explicou ela.

Gene FMR1

A síndrome do X Frágil é uma condição mental de origem genética, causada pela mutação de um gene específico, FMR1, localizado no braço longo do cromossomo X. Quando um indivíduo é acometido pela Síndrome, o gene FMR1 (Fragile X Messenger Ribonucleoprotein 1) fica comprometido e, por consequência, ocorre a falta ou pouca produção da proteína FMRP (Fragile X Messenger Ribonucleoprotein).

Muitos adultos descobrem a presença da condição quando têm filhos ou quando necessitam de um tratamento de saúde diferenciado. É o caso de Sabrina Muggiati, que veio a descobrir que tinha a pré-mutação do gene FMR1, quando buscou o diagnóstico do filho, na época com 8 anos. 

Após o diagnóstico do filho, orientada pelo médico, a família realizou o exame. “Por ser uma condição genética, que atua em muitas gerações, é recomendado fazer um aconselhamento genético familiar. Nesse momento soube que eu e minha irmã gêmea tínhamos a pré-mutação, ou seja, possuímos o gene alterado, mas os sintomas são muito leves. Sendo alguns sintomas sentidos na adolescência e outros somente na fase adulta. Já a minha filha, apresentou a mutação completa”, explicou Sabrina. 

Para quem quiser mais informações, o site do instituto é institutobukokaesemodel.org.br e o do programa “Eu Digo X” é eudigox.com.br.

(Com colaboração de Celmira Milleo Costa “Sumi”)

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Editor-chefe da Revista Autismo, jornalista, empreendedor.

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