28 de junho de 2021

Tempo de Leitura: 8 minutos

Uma entrevista exclusiva com o pai do Romeo

Revista Autismo nº 13 - Entrevista Exclusiva com Marcos Mion — Canal Autismo

 Entrevista foi capa da edição número 13 da Revista Autismo.

Francisco Paiva Junior,
editor-chefe da Revista Autismo

Sabe aquele papo que a gente tem na varanda, num domingo de sol, com alguém que não vemos há muito tempo? Foi assim que me senti nesta entrevista exclusiva que Marcos Mion concedeu à Revista Autismo.

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Um papo de mais de uma hora, da maneira mais franca e aberta possível, sem evitar nenhum assunto e com uma riqueza de detalhes que só a versão em vídeo na íntegra, que está no nosso canal no Youtube, poderá lhe mostrar.

Sintetizo aqui os pontos mais importantes da conversa e tento dar a dimensão da pessoa com maior visibilidade no Brasil a falar abertamente a respeito de autismo. Mais que isso, a ser mais um ativista da causa.

Revista Autismo — Como você chegou à suspeita de que o seu filho mais velho, Romeo, tinha um atraso no desenvolvimento?

Marcos Mion — Antes de contar a nossa história, eu gosto de reforçar que ela não é um exemplo, não é o ideal. Venho de uma família de médicos e, por isso, não se encaixa na maioria dos exemplos de casos do nosso país. Logo no nascimento do Romeo, minha mãe já me puxou de lado e me deu o alerta: “Eu acho que tem alguma coisa!”. Pra mim, foi o mesmo que ouvir “Seu filho é a coisa mais linda do mundo!”, não fez nenhuma diferença. O Romeo nasceu com uma luxação congênita, o autismo veio só depois. A minha postura quanto à situação do Romeo e como eu levo isso hoje em dia está ajudando muito a mudar a forma com que as pessoas encaram o autismo. No começo, eu recebia muitas mensagens lamentando, com tristeza. E hoje, por incrível que pareça, mudou muito. A maioria dos recados que eu recebo são de pais e mães felizes. Que tiveram a aceitação de uma forma muito positiva e muito simples. De certa forma — e falo isso com muita humildade —, pelo holofote que eu coloco na situação, ouço muito assim: “Cara, meu filho é igual ao do Marcos Mion! E o filho dele é incrível”.  Então, essa mudança de foco e de approach pro transtorno ou para a deficiência é uma enorme vitória. Juro pra você que eu não gastei um minuto da minha vida lamentando. Simplesmente entendi, aceitei, aprendi, me adaptei, segui em frente e agradeci. Ter meu filho era o sonho da minha vida. Não me interessa se meu filho veio autista, neurotípico, verde com bolinhas rosa ou deficiente físico. Nada disso foi importante para mim e não é até hoje. Foi o maior presente que Deus poderia me dar: me dar a honra de ser o guardião de um anjo na Terra. E eu falo “anjo”! Sei que tem um monte de autistas que não gostam e tudo bem. Cada um fala o que quer, faz o que quer. Eu encaro dessa forma os autistas do nível do meu filho, considero anjos porque eles não trabalham com palavras, eles trabalham com amor, com coisas etéreas. É diferente de um autista leve que consegue argumentar, se defender, ter voz ativa. Meu filho e inúmeros autistas não têm. É uma pessoa que “cai”, ilumina e muda a vida de todos ao redor, essas pessoas iluminam as outras. É um efeito cascata de amor, de pureza, de rever os conceitos. Então, eu falo, sim! Meu filho é um anjo. Eu sou a voz dele. Ele não consegue lutar pelos direitos dele e age 24 horas baseado em sentimento, em amor, em decepção, em alegria, em tristeza… algo muito puro. É bom eu poder falar isso, pois eu sei que tem um movimento enorme, e muitas vezes vem contra mim, que eu virei a referência de ver o autismo com positividade. Muitos acham que vivo um autismo “café-com-leite”. Porque você tem dinheiro para terapias, para tirar seu filho do país. Óbvio que sou privilegiado e tenho condições de dar o melhor para o meu filho e é exatamente por isso que eu me imponho a obrigação de lutar por todos os autistas. Nada que você faça para beneficiar só você ou os seus vale a pena. Você tem que beneficiar o maior número de pessoas possível, sempre. Esse é o lema da minha vida. Eu faço tanta coisa, não só pelas leis, mas temos um grupo no Facebook [chamado “Comunidade Pró-Autismo“], com mais de 260 mil pessoas, que virou um centro de apoio, de alento, de informação. Então, independente da condição financeira, o autismo não muda. A genética que funciona é igual para qualquer um que recebe o diagnóstico. Se eu quiser fazer um relato de sofrimento, de dor, de desespero, eu preciso de meio segundo pra começar.

RA — Você escolheu o caminho da positividade?

Mion — Exatamente. Esse é o ponto, Paiva. Ontem eu passei 10 minutos tentando explicar ao Romeo como pendurar uma toalha num gancho. Eu não quis fazer por ele, quis fazer ele entender. Se a gente quiser contar essa história, de um menino que vai fazer 16 anos e não consegue ter o cognitivo para entender como pendurar uma toalha no gancho, posso contar, tem todos os dias. A minha dificuldade como pai é igual a de todos os pais. A essência é a mesma. Então é uma decisão diária minha encarar como uma bênção, como uma positividade.

RA — Você considera ter sido lapidado pelo Romeo? Isso também foi uma opção?

Mion — Sem o Romeo eu não teria conseguido nada na minha vida. Eu era muito egocêntrico! Foi me dada a chance de me lapidar. O número de  homens que vão embora quando a família recebe um diagnóstico de [um filho com] autismo ou qualquer outra deficiência é gigantesco. Ficar é amar. Virar as costas e ir embora é muito fácil. Se alguém que abandonou a família estiver lendo isso, volte, ainda dá tempo, o propósito que Deus te deu, seu filho, sua família estão lá. Volta, pois eles precisam de você.

RA — O diagnóstico mesmo do Romeo veio quando?

Mion — Quando ele tinha sete ou oito anos. A gente já trabalhava desde um ano, um ano e meio. Não começamos só depois do diagnóstico. Por isso eu digo que minha história é diferente. Recomendo o diagnóstico sempre o quanto antes, mas eu tenho que ser sincero que, na minha vida, o diagnóstico veio muito tempo depois, pois já estávamos trabalhando desde o início.

RA — Como foi a decisão de tornar público o autismo na sua vida? Você poderia manter sua privacidade e ninguém saber que o Romeo é autista e isso teria de ser respeitado, como muitos famosos devem fazer.

Mion — Foi difícil. Tudo que foi muito fácil na aceitação, nessa parte foi muito difícil por medo. A gente não tinha ideia de como as pessoas iam receber isso, além de ser uma exposição grande de um filho, né!? E, na época, não tinha uma referência. Com toda humildade, mas não tinha um Marcos Mion com milhões de seguidores para falar tão aberta e claramente sobre autismo. Eu não fui o primeiro artista a ter um filho ou um parente com autismo! Chegou um momento, que conversei com minha mulher, e a gente cansou de viver de uma forma… escondida! Aí fiz um texto nas redes sociais falando, explicando isso, saiu publicado em outros veículos grandes de mídia e esse texto virou meio que um símbolo. É, de longe, o meu conteúdo mais replicado!

RA — Qual a primeira lição que o Romeu te ensinou?

Mion — Não é nem a primeira, mas uma lição que eu tenho todos os dias: todo dia eu tenho que passar por cima de mim. Todos os dias eu tenho que parar alguma coisa importante para escovar os dentes dele, para dar banho nele, para ajudá-lo nas coisas mais corriqueiras para pessoas com 15 anos de idade (Romeo faz 16 dia 23.jun.2021). E você ter essa responsabilidade te faz ver as coisas de uma forma muito diferente, mais altruísta. O foco não pode ser você, não pode ser a pessoa, tem que sempre ser o próximo.

RA — O que te motivou a lutar por leis, como a Lei Romeo Mion, com a carteira de  identificação dos autistas, e a que inclui perguntas sobre autismo no Censo Demográfico?

Mion — Não fiz sozinho, fui um instrumento. Eu estava lá com ativistas, mães, pais, com décadas de trabalho em cima disso a mais do que eu. Me honra somar ao trabalho dessas pessoas. Aí a gente volta para a questão do propósito: não preenche a minha alma saber que dou para o meu filho o melhor e ver milhões de pessoas não conseguindo as mesmas condições para os seus filhos. Aí enveredei para o lado das políticas públicas, com influência da Fátima de Kwant e da Berenice Piana, que são pessoas que considero minhas mentoras no autismo. Aliás, graças à Fátima existe a Comunidade Pró-Autismo no Facebook, que considero trazer mais benefícios que uma lei, afinal são mais de 260 mil pessoas sendo beneficiadas com carinho e informação diariamente. Os livros, colunas, vídeos, textos que publico também ajudam muita gente. E, na lei do Censo, especificamente, a equipe do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e dos ministérios da Saúde e Educação me convenceram [ainda em 2019, antes da pandemia] de que o Censo não era o melhor caminho para ter a informação de quantos autistas temos, que teríamos formas melhores, menos arcaicas, como a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), também do IBGE. Porém, o presidente da República, na hora de sancionar,  me perguntou se eu queria ou não. Mesmo convencido de que não, eu disse que sim, pois eu estava lá representando outras pessoas e não a minha vontade. Todos com quem eu havia conversado antes, para me preparar, ativistas e instituições, sempre disseram sim. Fui fiel a eles. Já na lei da carteira de identificação tive um envolvimento maior, fui atrás de fazer isso acontecer, porque sempre achei uma grande necessidade.

RA — Você tem consciência de que é a pessoa com maior visibilidade no Brasil a falar de autismo?

Mion — Tenho noção dessa responsabilidade, por isso meu cuidado de sempre estar embasado para falar no assunto, para representar milhões de pessoas e o motivo da positividade e de encarar o autismo como uma bênção, pois já é difícil para as pessoas receberem o diagnóstico.

RA — E isso tem um preço, né?

Mion — Tem. A comunidade sabe que eu sou “caçado”. Sou muito blindado e nem sempre as coisas chegam até mim. Tem gente que chega a dizer que falo de autismo para ficar famoso (risos). Os vídeos de menor engajamento nas minhas redes sociais são os que eu falo sobre autismo. Com mais de 20 anos de televisão, a última coisa que a causa me traz é fama. O que ela me traz é propósito!

RA — Com essa sua superexposição, imagino que venham também “superproblemas”, como pessoas que te condenam por chamar autistas de anjos, ou de infantilizar, ou ainda por chamar de bênção. Como você lida com isso?

Mion — Não chega diretamente até mim, mas sei que acontece aqui e ali. Eu abro espaço para todos. Eu já gravei matérias com autistas que me disseram: “O que eu vou ouvir por estar aqui com você, dando entrevista!”. E depois que acaba, falam: “Que bom que sentei com você para esta entrevista. Obrigado pelo que você faz por nós, pela causa!”. Eu não trabalho para ser o destaque, trabalho para colocar a nossa causa no holofote e conseguirmos políticas públicas e respeito para os autistas. Temos que estar unidos para batalhar contra o preconceito.

RA — O que você mais deseja para os autistas no Brasil?

Mion — A aceitação popular da nossa causa, da forma autista de existir, levando em conta que não existe uma forma padrão, pois ainda vejo muito preconceito. E políticas públicas eficientes, pois, infelizmente, a maior parte da nossa população não tem condições de ter terapias e capacitação.

RA — Tem alguma novidade, algum projeto a respeito de autismo que você possa me contar?

Mion — Agora, na Netflix, vamos fazer a tradução e dublagem de “Amor no Espectro”, uma série maravilhosa que fala sobre relacionamentos. Inclusive me pediram que alguém no espectro acompanhasse a gravação para dar o tom certo na dublagem. Aí chamei a Kenya [Diehl], que trabalha comigo na Comunidade Pró-Autismo e é a primeira autista adulta com quem eu converso frequentemente, e ela me dá muitos insights. E, claro, tem outros projetos que, infelizmente, não posso contar ainda, mas vocês vão ficar sabendo.

 

CONTEÚDO EXTRA

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Editor-chefe da Revista Autismo, jornalista, empreendedor.

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