30 de março de 2017

Tempo de Leitura: 7 minutos

Brasileiro lidera laboratórios na Califórnia (EUA)

Francisco Paiva Junior,
editor-chefe da Revista Autismo

Para celebrar o nono Dia Mundial de Conscientização do Autismo, 2 de abril, estive no laboratório do Sanford Consortium, na Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD), um dos mais (senão o mais) avançados laboratórios de neurociência do planeta, onde conversei com o neurocientista Alysson Muotri — um brasileiro, PhD, que lidera um verdadeiro batalhão de pesquisadores naquela universidade (você pode ver o vídeo desta visita no site da Revista Autismo — em www.RevistaAutismo.com.br).

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E foi lá em San Diego, no extremo Sudoeste dos Estados Unidos, cidade que faz divisa com o México, que Alysson me mostrou o trabalho que tem sido feito na busca pela cura do autismo e de outras síndromes e doenças — de síndrome de Rett e mal de Parkinson até anorexia nervosa, zica e mal de Alzheimer.

O campus fica num dos mais belos cenários da California, com vista para o Oceano Pacífico, caprichosamente localizado próximo a uma pista de vôo de paraglider, num dos melhores lugares para se admirar o pôr-do-sol da costa oeste estadunidense, a região de Torrey Pines.

No mesmo prédio ficam vários laboratórios, integrados exatamente para promoverem a transdisciplinaridade entre os mais diversos campos de pesquisa, com três principais corredores onde em cada sala algo da nata da ciência está sendo pesquisado e a qualquer momento podem brotar importantes descobertas — como há poucos dias de lá descobriu-se que anorexia nervosa tem uma base genética e biológica passível de modulação farmacológica, o que abre caminho para se descobrir a causa e melhores tratamentos. No corredor central, os equipamentos mais pesados para facilitar a logística.

O paulistano Alysson, que fundou, no ano passado a primeira startup de medicina personalizada do mundo, a Tismoo, voltada predominantemente a fazer análises genéticas de autistas, e acabou de lançar o livro “Espiral — Conversas Científicas do Século XXI”, pela editora Atheneu, também é pioneiro na criação de mini-cérebros em laboratório, o que inclusive foi usado para o primeiro estudo do mundo que confirmou a relação entre o zika vírus e a microcefalia, publicado na renomada “Nature”. Os mini-cérebros têm ajudado muito na busca por entender diversas síndromes e doenças, além do autismo, e tem ganhado destaque mundial na mídia.

 

EM BUSCA DA CURA

Numa dessas salas, “doctor Muotri” (como dizem os norte-americanos por lá) me mostrou três importantes equipamentos. No primeiro deles, um multi-eletrodo, quando se coloca uma cultura de neurônios numa placa, pode-se ouvir (isso mesmo, ouvir!) a atividade elétrica dos neurônios em mini-cérebros. No segundo equipamento, um moderno microscópio eletrônico, é possível ver e quantificar as sinapses acontecendo, desde que se utilize de um marcador verde fluorescente, pois as sinapses, a olho nu, são invisíveis. E um terceiro “trambolho”, um microscópio para análise morfométrica, onde se pode analisar detalhadamente a anatomia de um neurônio, a ponto de se conseguir medir seus dendritos, ramificações e núcleo. Foram nesses equipamentos que o neurocientista viu, pela primeira vez, lá pelos idos de 2010, que os neurônios de pessoas com autismo tinham uma morfologia diferente e faziam menos sinapses. “O neurônio do autista, em geral, parece algo que não se desenvolveu completamente, ainda não amadureceu”, explicou Alysson. E, a partir de então, pode-se iniciar testes com drogas até que conseguiu reverter um neurônio em laboratório. Ele me contou essa história em detalhes na primeira vez que o entrevistei (leia, na íntegra, na Revista Autismo, edição de abril/2011).

E como anda essa busca pela cura do autismo?

Segundo o neurocientista, há estudos bem avançados usando a droga IGF1 (fator de crescimento de insulina), quase em fase final, com bons resultados para Síndrome de Rett e para alguns tipos de autismo — não todos!  Os testes com esta droga passaram pelo estágio um, está no segundo estágio e o neurocientista acredita que vá logo para o terceiro e último estágio “e a partir disso é a comercialização”, concluiu ele, que destacou ainda serem 3 ensaios clínicos acontecendo com o IGF1 e um deles é muito promissor, no qual uma empresa neozelandesa conseguiu reduzir o tamanho da molécula essencial da droga a ponto de fazê-la passar facilmente pela camada de proteção do cérebro, a hematoencefálica. “O IGF1 é um dos primeiros a chegar lá [na cura], mas mesmo assim a gente não sabe o que vai acontecer”, explicou ele sobre a incerteza a respeito do que poderia acontecer nessa “cura”, o que poderia efetivamente mudar no cérebro da pessoa com autismo após esse processo.

“Mesmo que o IGF1 não seja a melhor resposta, ela nos mostrou o caminho a seguir, o que abre possibilidade para outras soluções”, analisou Alysson.

Outras drogas também estão sendo testadas, algumas até mais promissoras que o IGF1, mas ainda falta financiamento suficiente para bancar essas pesquisas, que tem um complexo protocolo e envolve altos custos. Estamos falando em milhões de dólares. E quanto mais nova a droga, menos indústrias querem investir nessas pesquisas, pelo alto risco que representam. E algumas dessas drogas ainda precisam antes ser validadas, sob um complexo protocolo no FDA (Food and Drug Administration, agência que regula medicamentos nos Estados Unidos — no Brasil, seria algo próximo da nossa ANVISA).

Para facilitar esse trabalho, eles têm testado drogas em recolocação — ou seja, que já foram aprovadas no FDA para outras doenças ou outros experimentos — para reduzir o tempo dos testes e “driblar” a burocracia de certa forma.

Muito otimista e sempre entusiasmado com seu trabalho, Alysson Muotri demonstra-se esperançoso em conseguir resultados promissores em breve.

MAS, O QUE É AUTISMO?

Sempre vale lembrar que ninguém é obrigado a saber o que é autismo, que aliás chama-se oficialmente Transtorno do Espectro do Autismo (você verá muitas vezes sendo mencionado apenas como a sigla: TEA). É uma complexa síndrome que afeta três importantes áreas do desenvolvimento de uma pessoa: a comunicação, a socialização e o comportamento. Autismo ainda não tem cura e pode se apresentar em vários níveis diferentes de comprometimento, que é chamado de espectro. No espectro do autismo podem ter pessoas com prejuízos mínimos nessas três áreas, e até nem saber que é autista por muitos anos, até pessoas com graves comprometimentos. Autistas podem ser verbais (falarem normalmente) ou não-verbais — e se quiser saber mais sobre o assunto tem vários artigos e reportagens no site  da Revista Autismo (www.RevistaAutismo.com.br) com todo conteúdo inteiramente gratuito.

Nos Estados Unidos, as pesquisas mais recentes do CDC (Centers for Disease Control and Prevention — órgão do governo que faz o controle de doenças e prevenção) apresentam números alarmantes: 1 autista para cada 68 crianças de até 8 anos de idade(número sustentado desde a pesquisa de 2010 com informações referentes a 2002). Se considerarmos somente meninos, o número é de 1 em 42; para meninas, é 1 em 189. Como autismo não tem (até onde se sabe) nenhuma relação com qualquer região do planeta, situação sócio-econômica ou etnia, esse é considerado um número mundial pela falta de outras estatísticas. No Brasil, por exemplo, temos apenas uma estatística até hoje, um estudo de 2011, realizado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie em Atibaia, de 1 autista para cada 272 habitantes — a pesquisa foi feita num bairro de 20 mil habitantes da cidade paulista.

A ONU (Organização das Nações Unidas), por meio da OMS (Organização Mundial da Saúde), considera desde 2010 o número de aproximadamente 1% para a estimativas mundiais de prevalência de autismo, informação repetida na abertura do evento de 2013 para o Dia Mundial do Autismo, falando em 70 milhões de autistas no planeta. Você não leu errado, não: são setenta milhões!

DIA MUNDIAL

A ONU, no fim de 2007, declarou todo 2 de abril como sendo o Dia Mundial da Conscientização do Autismo, data em que comunidades envolvidas com a causa fazem eventos e um movimento mundial para iluminar de azul prédios, monumentos e grandes cartões postais do planeta para chamar a atenção da sociedade e podermos tocar no assunto “autismo” — e conscientizar —, pois apenas a informação pode acabar com o preconceito e discriminação. Ao redor do planeta, numa iniciativa liderada pela instituição estadunidense Autism Speaks, chamada de “Light It Up Blue” (numa tradução livre: “acenda uma luz azul”), importantes pontos iluminam-se de azul para chamar a atenção da sociedade e tentar ganhar uma espaço na mídia e redes sociais para falar de autismo e disseminar mais informação sobre a síndrome. Exemplos disso são: o Empire State Building e a Estátua da Liberdade, nos Estados Unidos; a CN Tower, no Canadá; as Pirâmides do Egito; a London Eye, na Inglaterra; a Torre Eiffel, na França; e muitos outros em volta do planeta. E no Brasil, não podia ser diferente, o Cristo Redentor e mais dezenas de outros cartões postais país à fora. Mas, azul por quê? Pelo fato do autismo acometer predominante meninos, cerca de 4,5 casos em meninos para cada menina — e a cor azul está há muito tempo relacionada a bebês do sexo masculino.

Neste ano o tema escolhido pela ONU é “Em direção à Autonomia e à Autodeterminação” (em inglês: “Toward Autonomy and Self-Determination”). Na tradicional mensagem do secretário-geral da ONU, o português António Guterres, evoca o reconhecimento dos direitos dos autistas como cidadãos. “Quando desfrutarem de igual oportunidade para terem autodeterminação e autonomia, as pessoas com autismo estarão empoderadas para fazerem um impacto positivo ainda mais forte no futuro de todos nós”, finalizou ele em sua mensagem.

Para celebrar a data nos EUA, a Vila Sésamo irá apresentar Julia, uma personagem de cabelo vermelho vibrante e com autismo — lançada em 2015 nas versões digitais e impressas da série infantil “para diminuir o estigma dos autistas” — que irá participar do programa neste ano, a 47ª temporada da série na TV — segundo informações da agência Associated Press.

Vista azul do dia 2 de abril e conscientize alguém com informação a respeito de autismo. Depois deste texto você não vai poder dizer que não sabe nada a respeito dessa síndrome. Só a informação pode vencer o preconceito. Um “abraço azul” pra você que leu até o fim.   🙂

 

CONTEÚDO EXTRA

>> Vídeo desta visita aos laboratórios do Sanford Consortium na UCSD, na Califórnia: https://youtu.be/nUsJfDrKb5s

 

>> Estudo sobre relação entre Zika vírus e microcefalia da equipe de Alysson Muotri publicado na revista científica “Nature”: http://www.nature.com/nature/journal/vnfv/ncurrent/full/nature18296.html

 

>> Site da ONU para o Dia Mundial do Autismo com:

>> Tema deste ano: http://www.un.org/en/events/autismday/

>> Mensagem do Secretário-Geral: http://www.un.org/en/events/autismday/2017/sgmessage.shtml

 

>> Notícia sobre a Vila Sésamo apresentar Julia, uma personagem autista: http://www.usatoday.com/story/life/nation-now/2017/03/20/sesame-street-julia-muppet-autism/99401470/

 

>> Movimento “Light It Up Blue”, da Autism Speaks: https://www.autismspeaks.org/liub/what-liub

 

>> Monumentos e prédios iluminados de azul mundo à fora: https://www.autismspeaks.org/site-wide/breaking-blue-news

 

>> Estatística do CDC dos EUA sobre autismo: https://www.cdc.gov/ncbddd/autism/data.html

 

>> Texto da ONU de 2010 citando 70 milhões de autistas no mundo: http://www.un.org/apps/news/story.asp?NewsID=34272#.WNtOnRiZPVo

 

>> Discurso do representante da ONU no evento do Dia Mundial do Autismo em 2013 repetindo a estimativa de 1% de autistas no mundo: https://goo.gl/Fijtjw

 

>> Estudo do Mackenzie sobre a prevalência de autismo em Atibaia (Brasil): http://tede.mackenzie.br/jspui/handle/tede/1671

>> Mesmo estudo do Mackenzie publicado na versão em inglês: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21337063

 

>> Para colocar o vídeo em seu website use:
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