1 de junho de 2022

Tempo de Leitura: 4 minutos

O relato de uma mãe e sua jornada em busca das pesquisas científicas

Eu nunca tinha ouvido falar sobre Síndrome de Rett até 2016. Não sabia sequer que deveria ser grata por isso… Minha pequena Aline tinha pouco mais de dois anos e eu sentia que algo estava errado, ainda que escola e pediatra não parecessem notar. Queria acreditar, assim como eles, que era só mais uma loucura de mãe. Nessa época, comecei a pesquisar todos os possíveis transtornos de desenvolvimento e síndromes. Eu precisava descobrir o que ela tinha! 

Lembro-me de ter lido sobre Rett e automaticamente descartado essa possibilidade, pois ela não apresentava o mínimo de critérios principais e de suporte que são considerados requisitos para o diagnóstico clínico. Autismo eu também já achava improvável pois ela tinha muita intenção de se comunicar.

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Matraquinha

No meio dessa angústia, buscamos o primeiro neuropediatra, que pediu intervenção precoce e medicou a hiperatividade, mas não pediu nenhum exame. Seguimos todas as recomendações, mas no fundo eu sabia que algo ainda estava muito errado. Buscamos, então, o segundo neuro ‒ que pediu exame genético. Quando o diagnóstico veio ela já estava num ritmo intenso de terapias, com AT na escola. 

Receber o diagnóstico foi um misto de alívio por entendermos o que ela tinha e, por outro lado, um balde de desespero e revolta. Como assim não tem tratamento nenhum para Rett? Tudo o que podíamos fazer era assistir aos sintomas que ela apresentava, vê-los avançarem e torcer para que ela não apresentasse todas as possíveis complicações? Todo mundo me dizia “a medicina está avançando tanto”, mas onde estavam esses avanços? E quando eles chegariam para a Aline? 

Pesquisas

Recomendaram que buscássemos informações no site clinicaltrials.gov, que tem todos os testes registrados no FDA (Food and Drug Administration, agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos). E lá fomos nós, um engenheiro e uma administradora, aprender a ler os resultados de testes clínicos. Não havia muitos para Rett, e demoramos a entender que ninguém coloca um carimbo de “falhou” no teste, mas se os resultados foram publicados há alguns anos e não surgiu mais nada é porque não foram fortes o bastante para uma indústria farmacêutica seguir com o investimento para a próxima fase.

Depois de algumas semanas tivemos a sorte de conhecer uma família muito querida, que compartilhou conosco muito do que sabiam das pesquisas em fase pré-clínica e nos apresentou o trabalho de uma associação norte-americana, a Rett Syndrome Research Trust (RSRT) que vem há anos investindo em múltiplas linhas de pesquisa para a cura da síndrome de Rett. Lemos tudo o que pudemos sobre essas pesquisas, fizemos uma reunião com a presidente dessa associação, Monica Coenraads, que vem liderando esse trabalho há anos, e decidimos apoiar os investimentos nessa pesquisa através de um crowdfunding. A vaquinha foi um sucesso, com o apoio de muita gente que estava torcendo pela Aline, e em pouco tempo atingimos 300% da meta inicial. Por causa dela acabei dando uma entrevista na TV e foi assim que algumas pessoas da Associação Brasileira de Síndrome de Rett (Abre-te) me conheceram e me convidaram para fazer parte do grupo.

Em 2018, eu me propus a escrever uma seção no site da Abre-te contando tudo o que tínhamos aprendido até então, para que as famílias tivessem acesso em português às diferentes linhas de pesquisa em andamento. E desde então venho buscando manter a comunidade Rett atualizada com as notícias publicadas na mídia internacional. 

Medicamentos e terapia genética

Existem basicamente duas linhas de pesquisa para Rett: medicamentos para tratar os sintomas e terapia genética para tratar a causa raiz da síndrome (e com isso alcançar melhoras muito amplas do quadro). 

Boa parte dos testes são de medicamentos desenvolvidos para outros quadros e que são testados em pessoas com Rett para atacar um determinado grupo de sintomas. Desde que comecei a acompanhar a síndrome vi alguns desses testes serem encerrados: Fingolimod, Copaxone, rhIGF-1, Saritozan. 

Hoje existem dois testes em andamento com medicamentos focados na síndrome de Rett que visam melhorar a regulação cerebral e reduzir a inflamação do cérebro: Trofinetide e Anavex. Com isso, promoveriam diferentes ganhos nos pacientes tratados: melhorar a parte motora, reduzir ansiedade e hiperatividade. 

No campo da terapia genética, tivemos uma notícia triste em 2021, quando a Novartis Gene Therapies – que produz o Zolgensma para AME – cancelou seu programa de pesquisa para Rett. Mas outras empresas seguem pesquisando. A Taysha Gene Therapies possui o programa TSHA-102 com proposta semelhante (reposição gênica) e, em março de 2022, obteve aprovação do órgão regulador do Canadá para o primeiro teste em humanos de uma terapia genética para síndrome de Rett, que deve ter início até o final de 2022.  Agora em maio a Neurogene, uma nova empresa focada exclusivamente em medicina genética, anunciou o lançamento de seu programa de terapia gênica para síndrome de Rett. Outros laboratórios seguem pesquisando diferentes abordagens de terapia genética (edição de RNA, reativação do X silenciado, trans-splicing de RNA), com financiamento da RSRT, mas são pesquisas que ainda estão mais distantes da fase clínica. 

Eu acredito muito que a cura virá – ou ao menos um tratamento que traga melhoras substanciais para a qualidade de vida das pessoas com Rett. Até lá, seguimos um dia de cada vez, com todos os percalços que as famílias de crianças especiais conhecem e renovando a esperança com cada sorriso que nossa filha nos dá. 

Paula Godke é administradora, mãe da Aline, de 8 anos (diagnosticada com Síndrome de Rett), voluntária da Associação Brasileira de Síndrome de Rett (Abre-te).

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Administradora, mãe da Aline, de 8 anos (diagnosticada com Síndrome de Rett), voluntária da Associação Brasileira de Síndrome de Rett (Abre-te).

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