1 de março de 2022

Tempo de Leitura: 2 minutos

Ouvi de uma pessoa que autistas diagnosticados tardiamente têm sorte, pois não são envolvidos em uma aura de superproteção e se desenvolvem mais. “Olha como sua vida está bem resolvida aos 30 anos!” Na hora, meu ímpeto de fugir de conflitos concordou, mas isso me levou a uma profunda reflexão.

Eu sabia que não era igual às outras pessoas, sempre soube. Eu me via como alguém anormal, constantemente inadequada. Lutei com todas as minhas forças pra ser igual, e por mais que eu lutasse, eu não alcançava, nunca, o bastante, e nunca fui “uma deles”. Eu chegava exausta todos os dias em casa, e mesmo assim me viam como “a esquisita” e me excluíam. Tive síndrome do pânico aos 8 anos e passei meses sem ir à escola porque era uma situação tão exaustiva, física e emocionalmente, que eu adoecia, tive diversos problemas de saúde para que me impedissem de ir à escola.

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Sabem o que eu ganhei? Acolhimento? Suporte? Ajuda?

Não! Ganhei frases “estilo” motivacionais de “todo mundo tem algum problema e mesmo assim continua fazendo suas obrigações” ou “você precisa ser forte” ou “se todo mundo aguenta essa rotina porque você não?”

Um dia, as frases surtiram efeito, me levantei, voltei pra escola, enfrentei as gozações, as agressões e a exclusão. Descobri quem as pessoas queriam que eu fosse e treinei muito pra ser essa pessoa. Eu criei um ser perfeito, com retalhos de perfeição esperados de mim. E passei a minha vida inteira tentando ser essa pessoa. Tratei todas as minhas limitações como fraquezas e as escondi, tão fundo que nem eu mesma pudesse vê-las. Sequei minhas lágrimas para sempre.

“Ah, mas olha o que você conquistou!” Sim, tenho uma vida que é vista pela sociedade como muito boa. Tenho bens materiais, tenho um emprego, um marido, alguns amigos, um hobby. Mas sabe o que mais eu tenho? Eu não consigo curtir nada, continuo me sentindo exausta, continuo achando que não sou o bastante, que as pessoas estão comigo por pena, que sou um fardo na vida de quem amo, que nunca faço nada direito, que sou uma fraude a ser descoberta a qualquer momento e que tudo que conquistei foi pura sorte, porque meu raciocínio é: “como que alguém tão incompetente e horrível como eu haveria de conquistar algo?” Tive vários episódios de depressão, crises de ansiedade, dois burnouts e uma paralisia facial que, segundo o neurologista, foi causada por um pico de estresse que destruiu meu sistema imunológico.

Eu, com 31 anos, estou aprendendo quem eu sou, do que gosto, aprendendo a expor meus sentimentos, tentando restaurar minha autoestima. Completamente despedaçada sem nem poder mostrar porque continuo presa à imagem da mulher perfeita que está incutida em mim.

Sim, eu conquistei muitas coisas, mas me pergunto, a troco de quê?

Kamilla Brandão é membro da Liga dos Autistas, trabalha há 10 anos na área de finanças, é medalhista estadual de tiro esportivo, trader, pretensa escritora, aficionada por qualquer coisa aleatória que consiga prender sua atenção, diagnosticada com autismo aos 28 anos, após o segundo burnout.

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Autismo Severo: Sentimentos

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