1 de março de 2022

Tempo de Leitura: 3 minutos

Se entendermos o conceito de terapia como tratamento e considerarmos a pessoa autista na individualidade, por que usar as técnicas de intervenção que têm como meta a mudança dos comportamentos não aceitos pela sociedade, quando o autista se percebe mais seguro e satisfeito consigo ou com sua vida a partir do próprio modo de se comportar?

Na clínica psicológica, tenho me deparado com autistas leves (nível 1) que trazem para a terapia essa queixa ou reflexão. Inclusive, recentemente, fui procurada por uma jovem adulta que buscava no perfil de uma psicóloga o real entendimento da pessoa autista como alguém que não deseja ser “transformado” no seu jeito de viver: Procuro uma psicóloga que entenda os autistas”. Ela falou sobre os psicoterapeutas insistirem em intervenções que modifiquem alguns aspectos do comportamento quando, na verdade, muitos desses aspectos contribuem para que a pessoa se sinta mais segura para seguir na vida, do jeito dela. “Tenho muito apego à minha rotina”, me disse a moça que não busca terapia para flexibilizar essa área, pois é assim que ela se sente confortável. Em vinte anos estudando e trabalhando no universo autista, lidando com os pacientes e suas famílias, tenho aprendido sobre as questões mais sutis desse ambiente. Entre elas está a principal: o entendimento que o psicólogo adquire lidando diretamente com o paciente autista, observando muito além do que o jeito de se comportar. Ouvir o que o paciente tem a dizer, ou de alguma forma expressar, é muito importante e faz a boa diferença! Jim Sinclair, em 1993, escreveu em seu artigo:

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“O autismo não é algo que uma pessoa tenha, ou uma concha na qual ela esteja presa. Não há nenhuma criança normal escondida por trás do Autismo. O autismo “é um jeito de ser”, é pervasivo, colore toda experiência, toda sensação, percepção, pensamento, emoção e encontro, todos os aspectos da existência. Não é possível separar o Autismo da pessoa. E se o fosse, a pessoa que você deixaria não seria a mesma com a qual você começou” (Nossa Voz, volume 1, n. 3).

Na minha prática clínica, sempre busquei recursos que motivassem a adesão das crianças e jovens autistas à terapia psicológica. Através da observação dos seus comportamentos e principalmente na forma de eles se expressarem, meus pacientes sempre me abriram uma  “janela” que servia como um canal de entrada para a interação com eles. Hoje, já não é mistério o uso de um interesse específico para que ocorra uma conexão inicial e a consequente empatia com o autista, mas ainda é muito frequente a orientação de terapeutas na área multiprofissional para que os pais tirem da criança e dos adolescentes seus objetos ou temas de interesse, quando poderiam utilizar desses recursos a favor do desenvolvimento deles. Aqui chamo a atenção para a pessoa autista! O que ela pensa? Como se vê no autismo? Como se sente? Certa vez, ouvi de um paciente adolescente: “Doutora, meu irmão comentou que tipo de psicóloga era a senhora, que permitia que eu levasse meu notebook para a sessão. Eu respondi para ele: ‘é que ela me entende!’” Naquele momento, eu pesquisava sobre os interesses dele para ter um instrumento de mediação que favorecesse os diálogos na sessão. Esse rapaz trouxe o computador para me mostrar as suas proteções de tela, pois elas tinham efeitos especiais visuais e auditivos hi-tech, dos quais ele gostava muito, sabia muito e queria falar sobre. Pronto! Conexão estabelecida, empatia em desenvolvimento e era só ir em frente no processo psicoterápico.

Afinal, para que serve a psicoterapia para o autista? Não seria para preservar a saúde mental? Buscando por definições, a saúde mental de uma pessoa está relacionada à forma como ela reage às exigências da vida e ao modo como harmoniza seus desejos, capacidades, ambições, idéias e emoções. “Ter saúde mental é estar bem consigo mesmo e com os outros. Aceitar as exigências da vida”. Para dar um maior sentido para esse trabalho, vem na minha memória mais um depoimento de um paciente, autista adolescente, quando me disse um “muito obrigado Doutora!” e completou dizendo que antes da terapia ele se achava “doido”, por ser desajeitado e muitas vezes se descontrolar no ambiente da escola. Depois que soube como é o autismo através do trabalho que realizamos, utilizando os desenhos que ele mesmo fazia nos seus cadernos da escola, ele viu que não era um doido e sim, um autista.

Para concluir, a reflexão sobre entender e compreender para então intervir, passa por essa questão prática: não se trata de negar a importância dos treinos comportamentais para facilitar o aprendizado das habilidades consideradas básicas para o desenvolvimento da pessoa no espectro autista, mas oportunizar, na área psicológica, o ambiente de escuta e compreensão desse indivíduo para além dos treinos, validando o seu jeito de ser.

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Psicóloga, especialista em desenvolvimento infantil e em neuropsicologia.

Crítica Cultural: Nosso Jeito de Ser (As We See It)

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