8 de agosto de 2021

Tempo de Leitura: 5 minutos

Por Fábio Cordeiro

Presidente da ONDA-Autismo e membro do conselho de autistas.

 

Fabio Cordeiro, o Aspie Sincero — Canal Autismo / Revista AutismoCada dia mais a neurodiversidade está em evidência.

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ExpoTEA

Quem vive dentro dessa realidade do TEA se depara quase que diariamente com essa palavra e, felizmente, até para quem não tem algum familiar ou conhecido dentro do espectro do autismo, o termo começa a ficar conhecido.

Mas o que é neurodiversidade de fato e por que é tão importante?

Hoje vou falar um pouco sobre esse assunto que não é tão simples quanto parece e o porquê de ser tão importante que as pessoas entendam e aceitem esse conceito.

Foi uma socióloga, jornalista e pessoa autista australiana, Judy Singer, quem cunhou tal termo, no final da década de 1990, através de sua tese de doutorado que mais tarde até se transformaria em um livro de nome “Neourodiversity: The Birth of an Idea” , e depois disso o conceito foi se popularizando cada vez mais.

A ideia central é simples, ela prega que o desenvolvimento neurológico atípico, ou diverso, seria algo esperado dentro do desenvolvimento biológico da raça humana, portanto, algo a ser aceito e levado em conta na constituição da espécie, não algo a ser corrigido ou consertado na pessoa para que ela se adeque a um padrão de normalidade tido como típico.

Como eu disse, a ideia é simples, mas a prática nem tanto. Desde que o mundo é mundo, existem pessoas diversas e se formos buscar na história podemos citar vários exemplos de pessoas notáveis que se enquadravam nesse desenvolvimento atípico, chego a duvidar que teríamos alcançado esse nível de desenvolvimento em que estamos se não fosse essa diversidade.

Também é verdade que, seja por falta de conhecimento, por preconceito, ou de tudo junto, o ser humano não lida bem com as diferenças e há não muito tempo, crianças autistas eram acorrentadas em manicômios e segregadas da sociedade, e mesmo quando não chegavam a ser internadas e lá deixadas, eram separadas do convívio das outras, seja nas escolas ou em qualquer outro ambiente comunitário.

Hoje, não basta apenas inserir a pessoa autista com leis de inclusão onde ela tem o direito de escolher em qual escola estudar, ou buscar garantir acesso as diversas terapias que visam ajudar no desenvolvimento do indivíduo e possibilitam uma vida adequada na sociedade.

A cultura neurodiversa prega muito mais do que isso. Essa tem como premissa um olhar social sobre a deficiência em detrimento a uma abordagem exclusivamente médica da mesma. Busca não uma cura para a pessoa autista ou para o autismo, mas sim aceitação e diz que não é apenas a pessoa com desenvolvimento atípico quem necessita de tratamento e sim a sociedade como um todo, pois reitero, não basta que o indivíduo atípico se adeque e sim que toda a comunidade se ajuste às várias maneiras de existir e a todas as configurações cerebrais.

Claro que com isso não estou dizendo que leis e políticas de inclusão não são importantes.

Mais do que isso, são muito úteis e necessárias pois são o caminho para esse fim que busca o movimento da neurodiversidade e são instrumentos de equidade. Também, essa abordagem não é excludente, e sim complementar ao modelo médico, pois a medicina atua atrelada aos conhecimentos científicos e baseada em evidências contribuindo para um desenvolvimento pleno.

Exemplificando e trazendo para o mundo real o porquê de tamanha importância de todo esse conceito, podemos observar alguns dados recentes divulgados em estudos científicos e pesquisas.

Dados mostram que quase 85% das pessoas autistas estão fora do mercado de trabalho, mesmo tendo potencial para desenvolver um ótimo trabalho nas mais diversas áreas.

Publicado na prestigiada revista Lancet Psychiatry em 2014, por Segers e Rawana, um estudo realizado com autistas mostrou que 66% dos participantes relataram pensar em suicídio e que 35% destes, tentaram ao menos uma vez no passado, suicidar-se. Um outro estudo publicado em 2017 por duas pesquisadoras do Reino Unido, Sarah Cassidy e Jacqui Rodgers, mostra que dados preliminares acerca do tema suicídio no TEA são alarmantes. Hirvikoski e colaboradores corroboram esses fatos em outro estudo reportando o suicídio como uma das principais causas de morte prematura em pessoas autistas.

Mas por que essa incidência tão grande no TEA? Uma revisão realizada por Richa e colaboradores em 2014 mostrou os principais fatores de risco em indivíduos autistas. São eles:

• Distúrbios de comportamento (comportamentos opositores, agressivos, explosivos e impulsivos).

• Sintomas depressivos (a depressão é uma das comorbidades mais presentes no autismo).

• Histórico como vítima de bullying.

• Histórico de abuso sexual (dados mostram que em pessoas com deficiência a incidência desse tipo de abuso é mais que o dobro que na população geral e que em autistas é ainda maior).

• Eventos de estresse emocional (comuns no autismo relacionados a eventos como mudança de rotina ou de rituais específicos por exemplo).

• Faixa etária (principalmente adolescência).

• Tendência ao isolamento físico e falta de possibilidade de interação com os pares da mesma idade.

Agora notem dentre os principais fatores que, nem tudo tem a ver com o TEA. Logo de cara podemos observar que o bullying, abuso sexual e faixa etária não são inerentes ao autismo sendo os dois primeiros relacionados a intolerância e maldade alheia, e o terceiro a um fator biológico. A tendência ao isolamento físico apesar de ser um dos principais déficits nos transtornos do espectro do autismo, não se dá apenas pela dificuldade do autista em socializar como também pela falta de aceitação das diferenças e muitas vezes pela insistência de que a pessoa atípica se comporte de maneira típica, algo que além dela não ser capaz, causa sofrimento pela frustração ao tentar e não conseguir.

Até mesmo os distúrbios de comportamento e os eventos estressores, que são diretamente relacionados ao autismo, não tem seus alicerces apenas baseados nisso, pois a agressividade, oposição e impulsividade podem ser abrandadas quando existe acesso universal as intervenções adequadas, o que não é uma realidade principalmente em países como o Brasil. Já as mudanças de rotina e rituais, que também são íntimas do TEA, têm a possibilidade de serem amenizadas com práticas de inclusão e adaptação melhores trabalhadas, tanto na escola quanto no mercado de trabalho, por exemplo.

Com tudo isso fica fácil entender porque a depressão, que também não é algo de dentro do autismo, está tão presente e como tudo isso culmina nessa alta taxa de mortes precoces por suicídio.

Por isso, não basta falar em neurodiversidade, é preciso praticar, é preciso aceitar! Incluir é um dever de todos e não apenas de políticas públicas e de instituições. Prédios e leis não incluem; pessoas incluem!

É preciso ouvir os autistas, promover a auto aceitação e o orgulho de ser como é, bem como a aceitação de todos. Não busque a cura e sim o cuidado. Promova o desenvolvimento das potencialidades e a atenuação das dificuldades, pois o mundo precisa dessa diversidade para que o ser humano continue a evoluir.

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