1 de abril de 2022

Tempo de Leitura: 3 minutos

Há exatos 2 anos, tive um deslocamento de maxilar. Desse modo, não podia fechar a boca corretamente. Ou seja, meus dentes de cima não estavam alinhados com os de baixo. Imediatamente, me lembrei de dois grandes aborrecimentos vividos, no mês que antecede o mês de abril. O dia 02 de abril marca o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. Ele foi estabelecido em 2007, pela Organização das Nações Unidas (ONU). A ideia é que todo o mês seja de conscientização e eliminação do preconceito e discriminação, em torno de pessoas autistas. Os meses de março e abril, me exigem muita socialização. E aí é que eu confirmo a máxima: Mulheres Autistas são vítimas das relações sociais.

Mulheres autistas e as relações sociais

Hoje, na parte da manhã, levei um susto nos grupos de mulheres do whatsapp. São dois. Assim, eu li em ambos, reclamações de crises que levaram a autoagressão. Não foi o meu caso quando desloquei o maxilar. Eu havia feito um grande esforço para me relacionar socialmente. Algumas pessoas me aborreceram muito. Pensei que estava tudo bem, até acordar no outro dia com o maxilar deslocado. Tal fato aconteceu por causa da tensão que se estendeu durante o sono. Assim, eu travei meus dentes com tamanha força que desloquei o maxilar.

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Já no grupo, o relato foi de que o esforço para a relação social, unilateral, culminou com crises pesadas e autoagressão. A pessoa quebrou e arrancou alguns dentes. Agora está depressiva. E com a ‘autoestima no chão’, conforme descreveu.

Outra mulher autista, mostrou empatia e relatou que entendia. No início da pandemia, ela teve uma síncope. Durante essa perda súbita e transitória da consciência a mulher quebrou a mandíbula e um dente.

É preciso conhecer para entender as mulheres autistas

A vida me demonstrou que existe um senso comum em debitar na conta do universo feminino rótulos como ‘pitis’, ‘frescura’, ‘TPM’ (nem tudo é sobre a TPM) e excesso de ‘nervosismo’. E mesmo que a mulher autista tente justificar uma sensibilidade maior devido ao cérebro neurodivergente. O mais comum é que o interlocutor, qualquer que seja, se ressinta dessa justificativa. Isso mesmo, qualquer que seja. Pois no universo pelo qual trânsito já presenciei, ou soube, de maridos, psiquiatras, psicólogos e outros.

As relações sociais nem sempre são escolha

O desenrolar da vida, muitas vezes, nos apresenta situações que, ao mero observador, não haveria motivo para nos afetar. Por exemplo: ser síndica de prédio. Antes do diagnóstico, eu já passava por uma tortura quando essa tarefa, por rodízio, cabia a mim. Isso, devido ao perfeccionismo, rigidez, dificuldade em ser sociável. Além da disso, o que mais me pegava era a comunicação assertiva.

É que eu evitava ser assertiva como eu gostaria, porque me ensinaram que essa era uma forma grosseira de se comunicar com vizinhos. Então, eu me esforçava para manter diálogos que me esgotavam e não me traziam nenhum ganho social. Só tomavam meu tempo. Entretanto, o que mais me marcou, foi aquela pessoa chata da turma. Sempre tem um ‘encrenquinha’. Dessa forma, tudo que eu fazia, ela exigia explicações nos mínimos detalhes. E me cobrava um tempo que eu não dispunha.

Percebi que ela era solitária e desejava se relacionar dessa forma. Um dia, disse a ela, claramente, que não podia tratar assuntos do condomínio no particular. Ela então, passou a dizer que eu era uma síndica que não se abria ao diálogo. Em todas as reuniões havia ‘bate boca’. O resultado foram crises terríveis para mim e minha filha, também autista.

Mulheres autistas são vítimas das relações sociais

Depois do diagnóstico, eu deveria ser síndica do prédio, onde moro atualmente. Falei com minha psiquiatra que as crises de ansiedade já haviam começado, mesmo antes de tomar posse. Conversamos bastante e ela fez um relatório dizendo que não era recomendável que eu me dedicasse a essa ‘obrigação social’. Só assim, consegui o afastamento. Não havia má vontade, embora a função não seja das melhores. É que a relação custo/benefício me levava ao adoecimento.

Sim, foi preciso um relatório oficial pois, somente as minhas ponderações não bastaram aos vizinhos. Eles ainda me observam por uma mesma perspectiva. E se esquecem das especificidades de cada um. Portanto, sonho com o dia em que passemos a prezar todas as pessoas, em suas individualidades.

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Jornalista e relações públicas, diagnosticada com autismo, autora dos livros "Minha Vida de Trás pra Frente", "Dez Anos Depois", "Camaleônicos" e "Autismo no Feminino", mantém o site "O Mundo Autista" no Portal UAI e o canal do YouTube "Mundo Autista".

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