27 de novembro de 2021

Tempo de Leitura: 4 minutos

Hoje o assunto é Teoria da Mente e o que isso tem a ver com a empatia.

Um dos mitos que cercam o TEA é o de que pessoas autistas não têm empatia. Para analisarmos essa afirmação de maneira assertiva, precisamos primeiramente entendermos o que é a empatia.

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Uma das definições que temos para empatia é a capacidade de se colocar no lugar do outro. Parece algo simples, porém, eu vou além e digo que essa é uma explicação muito simplória.

Refletindo profundamente sobre o tema, vocês acham realmente que alguém consegue se colocar no lugar do outro? Alguém perde um ente querido, você até consegue entender a situação, entender que a pessoa ficou triste e até mesmo ficar triste pela perda daquela pessoa. Mas, se você nunca passou por aquela situação, será que consegue estar no lugar do outro e sentir como aquela pessoa está sentindo? Ou seria prepotência de sua parte achar que aquilo está doendo tanto em você quanto naquela pessoa?

Mesmo que você também um dia já tenha perdido alguém querido e tenha vivido algo semelhante, aquele que você perdeu, assim como sua relação com aquele indivíduo seria igual a do outro com aquele que ele perdeu? Seria você se colocando no lugar dele ou relembrando o seu próprio sentimento em relação a uma situação parecida?

Observem que essas são perguntas que não responderei, pois são colocações retóricas para que cada um reflita.

Nesse sentido, já ouvi outra definição que diz que ter empatia é tratarmos o outro como gostaríamos de sermos tratados. Novamente, percebam que colocamos a nossa perspectiva em detrimento da de outrem, quando achamos que todos gostariam de serem tratados da mesma maneira que nós gostamos. Para essa definição, já ouvi uma adaptação que considero melhor: ter empatia é tratarmos o outro como ele gostaria de ser tratado!

Ainda assim, não é tão simples se analisarmos a empatia de maneira mais técnica; podemos dividi-la em alguns conceitos. Psicólogos que estudam e pesquisam o tema dividem a empatia em três tipos: a cognitiva, que diz respeito a perceber a situação como se fosse pelo ponto de vista alheio; a afetiva, que se dá quando acontece uma ligação emocional a ponto de você sentir junto com o outro uma alegria ou uma tristeza, ainda que essa seja a sua alegria ou tristeza e não a do outro propriamente dita; e a compassiva, que é a que move alguém a se colocar à disposição e a ajudar por compreender que o outro carece desse apoio.

Dessa forma, percebemos que a empatia é muito mais do que se colocar no lugar do outro, e também que esse sentimento é bem mais complexo a ponto de que, ao julgarmos se alguém tem empatia ou não, estamos correndo o risco de não sermos empáticos por fazermos tal afirmação sem entendermos a realidade alheia.

Afinal, o que tudo isso tem a ver com autismo e a Teoria da Mente?

Primeiro, precisamos entender esse outro conceito complexo do que é a Teoria da Mente. Para simplificarmos e facilitarmos o entendimento, podemos dizer que a Teoria da Mente está ligada à função que permite que alguém consiga encarar as diversas situações do cotidiano pela perspectiva de outra pessoa que não apenas a de si próprio.

Por exemplo, se imaginarmos uma carta de baralho, supomos que seja um Às. Se eu seguro essa carta com o valor dela virado para mim, eu vejo o Às, logo, alguém que está a minha frente não verá que essa carta é uma Às, pois estará vendo apenas as costas do baralho parte em que todas as cartas são iguais.

Acontece que a pessoa autista tem um déficit nessa Teoria da Mente, então seria como se ela não tivesse a percepção de que o outro não está vendo a carta da mesma maneira que ela própria, logo, se ela está vendo o Às, considera como se o outro também estivesse, e, se o autista for a pessoa que está vendo as costas do baralho, acha que todos estão vendo apenas as costas da carta também.

Posto isso, pensem numa situação na qual uma pessoa autista vai ao mercado com alguém para fazerem compras. No final, são dez sacolas para levarem, a pessoa autista pega cinco sacolas leves, e as outras cinco sacolas pesadas ficam para o outro. Uma pessoa que não tem esse déficit na Teoria da Mente perceberia mais fácil que o peso está desigual e redistribuiria as sacolas para dividirem melhor. A pessoa autista teria essa dificuldade, pois, seguindo o exemplo do baralho, ela perceberia a situação através do peso que ela própria está carregando, sem conseguir, pela perspectiva do outro, entender que as outras sacolas estão muito mais pesadas.

Da mesma forma, pode acontecer numa situação de óbito; se quem faleceu não é alguém com quem eu conviva, não é alguém que eu conheça, então não me aflige, porque não tenho uma ligação com aquela pessoa. Logo, por essa dificuldade de percepção, posso não perceber que aquilo fere a outra pessoa que tinha uma ligação com aquela que partiu.

Ainda nesse sentido, é mais difícil entendermos as diferenças de apego quando, por exemplo, uma pessoa autista tem grande ligação com os pais e os irmãos, mas não é tão próximo assim de um primo de segundo grau. E seu amigo perde um primo desse grau, porém seu amigo tem uma relação diferente com esse parente que é muito mais próxima do que a percepção que a pessoa autista tem sobre essa relação de parentesco. Vai ser difícil para a pessoa autista entender como aquilo afeta o seu amigo naquela intensidade, pois a ela não afetaria.

Enfim, não é questão de falta de empatia, mas da dificuldade de entender certas relações que fazem com que as percepções sejam diferentes. Cabe destacar que já existem estudos que apontam que pessoas autistas têm até mesmo uma empatia mais acentuada e que, quando transpõem essas dificuldades na Teoria da Mente, sentem muito mais profundamente, o que muitas vezes pode trazer um sentir tão grande a ponto de dificultar ainda mais as relações sociais.

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Presidente da ONDA-Autismo e membro do Conselho de Autistas; ativista; administrador da página @autiesincero no Instagram, servidor público federal, palestrante e escritor.

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