19 de agosto de 2020

Tempo de Leitura: 2 minutos

Meu nome é Fábio, autista de 40 anos, muitos já me conhecem como Aspie Sincero do Instagram. Nesses tempos estranhos de pandemia muitas coisas passam pela cabeça, muitas reflexões acerca do que realmente importa na vida. E se tem algo que importa na vida são os filhos.

Por isso esse texto hoje não vai falar muito sobre mim, até porque minha rotina não mudou muito, pois como trabalho na linha de frente de combate à Covid-19, não tive pausa na labuta ou mudança para home office, por exemplo — também, como não tenho um círculo de socialização avantajado, meu dia a dia seguiu praticamente o mesmo.

Publicidade
ExpoTEA

O assunto então, vai tratar de meu filho mais novo, que tem 14 anos, também autista e que foi curado nesse período.

Breno, como ele se chama, é um garoto muito esperto, faz suas terapias semanalmente em busca de uma tão esperada autonomia. Frequentava o ensino regular, que foi pausado, como também para todas as crianças ou adolescentes nessa época, e segue agora em casa, isolado como tantos estudantes de todas as idades.

Esse isolamento tem sido encarado de forma muito tranquila por ele. Procuramos manter uma rotina onde ele acorda, alimenta-se quase sempre do mesmo cardápio, assiste suas aulas online e depois segue para seus jogos no computador, que faz parte dos seus interesses específicos.

Mas e a cura? Vocês devem estar se perguntando, fale sobre a cura!

Pois digo a todos que ele conseguiu a cura. Converso muito com ele e sempre pergunto como ele está se sentindo. Já tivemos muitas barreiras para que ele conseguisse se expressar, mas hoje em dia essa parte é tranquila, ele consegue me relatar muito bem seus sentimentos.

E foi numa dessas conversas que ele me contou como tudo estava mais leve pra ele. O déficit de socialização e comunicação social tinham quase desaparecido. A ansiedade e a dor por ver todos socializando, e ele não conseguir se enturmar, já não ocorriam. O bullying tinha sumido do seu cotidiano. As surpresas de mudanças repentinas já não o incomodavam.

Então quer dizer que o autismo dele foi curado? Não meu povo, o autismo segue ali, intacto junto à sua existência. A cura a qual me refiro foi dos martírios de uma existência cheia de intolerância, preconceitos e a falta de adaptações razoáveis, as quais tornariam a vida da pessoa autista mais simples e prazerosa.

Agora está ele aqui, isolado como todos de sua idade, sem socializar, sem demandas de comunicação onde preceitos sociais subentendidos lhe causariam conflitos. Não tem mais ele que se enturmar ou se reunir porque ninguém mais o faz e não há bullying no confinamento do seu lar.

Com isso, alguém pode até pensar que estou feliz com esse enredo, mas não é exatamente assim que me sinto. Claro que tenho alegria de ver meu filho bem em um momento tão difícil que o mundo está passando, porém, é uma tristeza que me atinge em notar que grande parte das angústias do TEA resolveram-se com o afastamento dele da sociedade e não com a construção de uma sociedade mais inclusiva.

Ícone: peça de quebra-cabeça - Revista Autismo
COMPARTILHAR:

Presidente da ONDA-Autismo e membro do Conselho de Autistas; ativista; administrador da página @autiesincero no Instagram, servidor público federal, palestrante e escritor.

Autistas comentam sobre Amor no Espectro, nova série Netflix

Autistas contam experiências urbanas e rurais pelo Brasil em podcast

Publicidade
Assine a Revista Autismo
Assine a nossa Newsletter grátis
Clique aqui se você tem DISLEXIA (saiba mais aqui)