1 de dezembro de 2019

Tempo de Leitura: 4 minutos

Autismo leve e hiperfoco que mudam o mundo

Fatima de Kwant

A pessoa mais comentada do ano é, sem dúvida, a ativista do meio ambiente, Greta Thunberg. A jovem de apenas dezesseis anos, nascida na Suécia, tornou-se a mais conhecida representante juvenil das comunidades mundiais que lutam pela preservação da natureza, tema bem em pauta, internacionalmente.

A curiosidade adicional é que Greta tem o diagnóstico de Síndrome de Asperger.

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Caracterizada pelo discurso peculiar – que muitos acreditam ser uma manobra da esquerda internacional – Greta é amada e odiada ao mesmo tempo, um fenômeno mundial dos últimos tempos: ou se gosta ou se desgosta, ou se é a favor ou se é contra, sem meio termo, sem equilíbrio.

Sendo assim, a menina passa a ser “boa ou má”, pensamento maniqueísta da sociedade cada vez mais movida a crer no que outros dizem, em fake news, ou achar que a verdade é fake. Sociedade que acredita nos falsos profetas que os fazem crer em suas verdades como se elas fossem de todos. Por serem muitos, muitas são as opiniões extremas de quem admira ou despreza a jovem ativista.

Mistério

Mas qual é o mistério da Greta? Por que justamente esta jovem chamou tanta atenção do mundo, tendo audiências até com os maiores líderes mundiais? Não foi somente a tenra idade ou a aparência física, com as típicas duas tranças nos cabelos das quais não abre mão. 

Greta Thunberg é menina, autista e ativista pelo meio ambiente — três minorias em uma só pessoa. Todo mundo fala dela. Todo mundo acha que a conhece e conhece suas intenções. Fato é que poucos conhecem o autismo, e como se manifesta em pessoas de alto funcionamento. 

Greta é autista mesmo, Asperger. A dedicação ao meio ambiente, e a paixão com a qual abraçou a causa, a fazem parecer quase um soldado em guerra, enfrentando os líderes mais poderosos do mundo para defender seu ideal. Dizem que seus pais a influenciaram na opção pela causa, e a manipulam em suas escolhas. Porém, sejamos honestos: todos os nossos pais nos influencia(ra)m em alguma (ou mais) fase(s) da vida. Faz parte de pertencer a uma família. Com os autistas não é diferente. 

Autismo leve sempre pesa

A sociedade moderna se empenha na conscientização do autismo. O desconhecimento das décadas anteriores deu lugar à disseminação de informação em massa. No entanto, ao contrário do conhecimento do autismo infantil, ainda falta aprender mais sobre como o TEA se manifesta nas fases posteriores. Crianças autistas crescem e seguem necessitando de apoio. No caso do autismo considerado “leve” (nível 1), crianças bem sucedidas academicamente podem ainda se deparar com alguns desafios na adolescência e vida adulta. Não raro isso se dá nas áreas referentes à comunicação social (comunicação e interação). É o que aparenta ser a questão da jovem Greta, com imenso talento mas algumas limitações de comunicação — incluindo a expressão facial e corporal — que parecem ser a fonte de descrédito de seu discurso político. 

Hiperfoco

A capacidade de absoluta concentração em uma atividade é definida dentro do TEA como hiperfoco. Antigamente chamado de “obsessão”, o hiperfoco pode tomar horas da atenção de uma pessoa (autista), levando-a, por vezes, a comprometer o tempo em outras atividades. Em muitos casos, o hiperfoco é responsável pelo sucesso de muitos autistas de alto funcionamento, no que se destacam, justamente, pelo exercício daquilo em que “focam” com muita dedicação. 

No caso da Greta, o hiperfoco é o meio ambiente. Além disso, o modo de defender sua causa, com uma expressão facial e gestos um tanto irritadiços, quase gritando, podem ser reconhecidos nos autistas inteiramente convictos de suas palavras quando em debate ou discussão. É um jeito muito peculiar de ser, e de se comunicar, quando o autista têm absoluta certeza do que está falando. O próprio déficit de comunicação — inerente às características do Transtorno do Espectro do Autismo — justifica essa maneira de expressão social.

Símbolo

Greta pode não agradar a muitos pelo modo de defender suas convicções, mas, para várias pessoas das comunidades do autismo, a menina se tornou um símbolo de coragem e determinação ao não recuar ante às críticas e, inclusive, comentar sobre estas com um toque de humor sem demonstrar medo — a melhor resposta ao bullying. A dificuldade por ser mulher, autista e ativista por uma causa controversa não a inibiu, e isso, sem dúvida, é inspirador.

Muitos jovens autistas se reconhecem em Greta, ou a vêem como exemplo porque a menina conquista o que todos ambicionam (e merecem): ter voz.

Cada vez que um autista fala e a sociedade o desdenha, a mensagem é “você não tem voz”, “sua história não me interessa”, “você não sabe…não pode…não deve.” 

Seja como for, Greta, que foi uma das candidatas ao Prêmio Nobel da Paz 2019, é um nome já estabelecido mundialmente, fato extraordinário para qualquer jovem da sua idade. 

Greta desafia o preconceito e viaja por vários países levando uma mensagem, usando sua voz. Não é de se admirar que as pessoas a ouçam. O timing não podia ser melhor, já que as gerações mais novas de autistas leves estão, de fato, mudando o mundo.

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Jornalista, mãe de um autista adulto, radicada na Holanda desde 1985, escritora — autora do livro Caminhos do Espectro (lançado no Brasil em dezembro de 2021) —, especialista em autismo & desenvolvimento e autismo & comunicação, além de ativista internacional pela causa do autismo.

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