1 de março de 2021

Tempo de Leitura: 2 minutos

– Bom dia, filho!

– Bom di. (sic)

– Tudo bem?

– Tudo.

– Qual o seu nome?

– Ga – bi – nel (Gabriel).

– Quanto anos você tem?

– Eleven.

– Quanto anos você tem?

– Eleven.

Perguntei mais duas vezes e a resposta foi eleven.

– Então tá, tá certo também.

Esta é a nossa rotina de todas as manhãs e um dos momentos em que o Gabriel tem maior interação conosco.

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Acredito que seja pelo fato de ter acabado de acordar e os estímulos externos ainda não são suficientes para incomodá-lo. 

Certo dia, fui todo orgulhoso dizer aos meus amigos que o Gabriel fala em inglês e já mandei a pergunta:

– Gabriel, quanto anos você tem?

– ONZE.

– Quantos anos filhos?

Só pode ser brincadeira, fiquei com cara de bobo e ele nem esboçou a vontade de falar eleven.

O Gabriel foi diagnosticado com autismo e também apraxia da fala. A apraxia de fala na infância é causada pela dificuldade em programar comandos motores que ativam a musculatura da fala, na ausência de déficits neuromusculares.

A minha forma de entender é a seguinte:

Imagine uma ponte inacabada, você quer chegar ao outro lado e todos os dias que você chega na borda de um dos lados, acaba voltando pois não consegue saltar um vão tão grande.

Até que um dia você chegou em uma das bordas, mas o desejo de chegar ao outro lado era tão grande que respirou fundo, pegou a distância necessária, saltou e quando menos percebeu tinha conseguido chegar.

Vou explicar na prática como isso aconteceu recentemente.

Minha esposa e eu levamos o Gabriel para tomar uma vacina, chegamos no posto de saúde e ele estava tranquilo mas achando tudo muito suspeito.

Tudo estava indo bem, crianças entravam na sala e depois saíam felizes. Ele estava assistindo a vídeos em seu tablet e até aí, tudo dentro da normalidade.

Quando precisamos ir a médicos ou postos de saúde, sempre explicamos a condição do Gabriel e neste dia não foi diferente.

A enfermeira sabendo disso, já deixou tudo preparado para que pudéssemos entrar, vacinar e sair.

O Gabriel entrou de cabeça baixa por causa do tablet e bem no momento que entramos, a enfermeira estava dando aquela batidinha com a ponta dos dedos na seringa para tirar o ar que sempre acaba ficando lá dentro ao puxar a medicação.

Ele arregalou os olhos e falou:

— Xixi. Xixi. Xixi.

Colocou a mão no pipi e saiu correndo procurando um banheiro. Todos caíram na risada e mesmo assim, depois do xixi não teve como escapar. Tomou a vacina no braço, ganhou um pirulito e voltamos pra casa.

Desta vez, ele saltou para o outro lado da ponte sem pegar distância e a primeira palavra que lhe veio à cabeça foi xixi.

Vou confessar que não foi tão simples assim, quando estávamos nos preparando para ele tomar a vacina, sentei na cadeira e o coloquei em meu colo, mas o medo era tão grande, que ao tentar evitar a picadinha no braço, ele fez um movimento mais brusco que conseguiu entortar o pé da cadeira e nos esborrachar no chão. Felizmente ninguém se machucou e sobrevivemos para contar mais esta história. 

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Pai do Gabriel (que tem autismo) e da Thata, casado com a Grazy Yamuto, fundador da Adoção Brasil, criador do app matraquinha, autor e um grande sonhador.

Editorial — Revista Autismo nº 12

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