18 de junho de 2020

Tempo de Leitura: 5 minutos

Nas últimas décadas, tivemos grandes avanços científicos em relação às causas do TEA. Descobrimos que o fator genético é predominante e, com o sequenciamento do genoma, continuamos a aumentar a lista de mutações e variantes genéticas relacionadas ao TEA. A genética ajuda a revelar os subtipos de autismo e o porquê da variabilidade do espectro. Cada autista é único, fica claro do ponto de vista genético.

Apesar dos avanços na genética do TEA, esse conhecimento ainda é pouco utilizado clinicamente. Isso porque ainda não sabemos, na maioria dos casos, como alterações genômicas causam alterações comportamentais. Esse “gap” entre a biologia molecular e o comportamento humano é difícil de fechar, principalmente pela falta de modelos experimentais humanos relevantes. Felizmente, modelos gerados a partir de células-tronco têm demonstrado cada vez mais utilidades no teste de abordagens terapêuticas. Organoides cerebrais humanos, também conhecidos como mini-cérebros, são as novas ferramentas que os pesquisadores possuem para fechar o “gap” de conhecimento e testar se determinada terapia funcionaria ou não no cérebro humano. São o que chamamos de ensaios pré-clínicos, um passo essencial para levar uma ideia terapêutica até a clínica.

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Mas quais são essas terapias que estão sendo testadas? Procuro resumir aqui as tecnologias mais utilizadas atualmente na busca de melhores tratamentos, ou mesmo reversão dos sintomas do TEA. Essa lista não é exaustiva, mas reflete o porquê do entusiasmo dos pesquisadores nessa área. Fiz questão de deixar, propositadamente, alguns termos na língua inglesa, com o objetivo de armar as famílias e profissionais de saúde com os termos científicos atuais.

Vamos lá:

1-Terapias farmacológicas. Essas são as formas terapêuticas mais convencionais, em que se busca um remédio ou medicamento (artificial ou natural) que possa atuar no cérebro de indivíduos com o TEA. Desafios nessa área incluem a busca por drogas que sejam específicas e menos tóxicas. É desejável (mas não restrito) que a droga seja ingerida oralmente, que seja estável no organismo e que tenha ótima penetrabilidade no cérebro. Drogas específicas são aquelas que atuam de maneira seletiva no problema, por exemplo, moléculas que interagem com receptores nas membranas ou nas sinapses de certos neurônios. Elas podem também ser desenhadas para interferir em vias metabólicas moleculares previamente determinadas. Drogas não-específicas são aquelas que atuam no cérebro inteiro, sem discriminação por tipo celular ou estrutura molecular. Por isso são menos desejadas. Todos os remédios usados para sintomas do TEA atualmente são inespecíficos. Diversos tratamentos farmacológicos estão sendo testados para o TEA, a maioria requer conhecimento prévio do subtipo genético do indivíduo a ser recrutado.

2-Terapias celulares. Incluem o transplante de células ou do “cargo” eliminado por células através de vesículas denominadas como exossomos. Exossomos são pequenas vesículas liberadas por um tipo celular que carregam material ou “cargo” de uma célula à outra. Cientistas preferem o uso de exossomos pois essa estratégia diminui riscos de efeitos colaterais causados pelo transplante celular. Por exemplo, o transplante de uma célula-tronco pode levar à formação de um tumor no cérebro. O maior desafio dessa abordagem está em entender como a célula transplantada ou o “cargo” identificado poderia se alojar e atuar no cérebro humano. Terapias com células-tronco e/ou exossomos estão em ensaios clínicos para o TEA em algumas universidades, mas existem muitas clínicas vendendo esse tipo de tratamento como se fosse algo já aprovado clinicamente. Não é.

3-Complementação proteica. Em casos monogenéticos do TEA, em que apenas um único gene sofra mutação, e haja perda de uma proteína específica, a complementação proteica pode ser uma estratégia direcionada e eficaz. Primeiramente, produz-se a proteína alvo em larga escala. Muitas vezes isso é feito em bactérias de laboratório para reduzir custos. Essas proteínas são fusionadas com outras proteínas que auxiliam na penetração celular. Por fim, as proteínas fusionadas são purificadas e injetadas diretamente no paciente. O maior desafio aqui é a produção em larga escala para tratamento clínico. Também não sabemos se esta estratégia funcionaria para todas as proteínas, pois algumas têm localizações intra-celulares específicas, dificultando seu direcionamento preciso. Uma das vantagens dessa estratégia é poder dosar exatamente o nível proteico desejado no corpo do indivíduo.

4-Terapia genética. A terapia genética tem ganhado importância  nos últimos anos, principalmente por causa de casos bem-sucedidos com outras doenças monogenéticas. Esse tipo de terapia é o que mais se aproxima de uma cura ou reversão completa. Ela tem mais chances de funcionar quando a causa genética é única e bem conhecida, ou seja, um único gene está alterado. Dentro dessa categoria, ressalto quatro estratégias:

  1. Introdução do gene correto. A forma mais tradicional de terapia gênica, inclui o “delivery” do gene correto dentro das células que possuem a mutação genética. Em geral, usa-se um vetor viral como ferramenta de entrega do gene correto.
  2. Correção genética. Aqui, usam-se enzimas de edição gênica para corrigir a mutação ou defeito genético, diretamente no genoma das células do indivíduo. Esse tipo de estratégia é muito popular hoje em dia e ficou muito conhecido por causa das enzimas CRISPR. Essas são enzimas que podem corrigir o DNA ou RNA de forma bem eficiente. Infelizmente, mesmo as CRISPR não são perfeitas e podem causar “off-targets”, ou seja, introduzir mutações indesejadas no genoma. Outra dificuldade é fazer com as CRISPR chegarem ao cérebro e atuarem nos neurônios, células onde esse tipo de enzima tem baixa funcionalidade. Portanto, também dependem de um vetor (viral ou não) para entrega das enzimas nas células cerebrais.
  3. Modulação gênica. Uma variante híbrida das duas últimas táticas. A ideia é usar as CRISPR para dosar a atividade gênica. Em alguns casos genéticos de TEA, em que existe haploinsuficiência, esse tipo de abordagem pode ser mais eficiente e seguro do que as estratégias anteriores.
  4. ASOs. O uso de ASOs, ou “oligonucleotídeos antisense”, é uma ideia antiga e que recentemente tem tido mais espaço devido a melhorias na estabilidade das moléculas utilizadas nesse processo (em geral, um RNA modificado). Esses ASOs não dependem de uma ferramenta viral para entrar nas células cerebrais e podem se espalhar facilmente pelo cérebro. Esses ASOs regulam a atividade de genes de maneira específica, ou seja, podem ser usadas tanto para aumentar a expressão do gene correto ou diminuir a atividade de genes alterados.

O custo das estratégias de terapia gênica que utilizam vetores virais são altíssimos, pois a produção desses vírus requer um tipo de mão-de-obra e controle de qualidade muito especializada. Mesmo assim, quando comparado ao custo de tratamentos e terapias de uma pessoa com TEA, é provável que planos de saúde as vejam como estratégia econômica mais vantajosa.

Ressalto que qualquer uma dessas tecnologias poderá beneficiar primeiramente adultos com TEA que tenham resultados no sequenciamento genético. Isso porque ensaios clínicos tendem a preservar crianças inicialmente e dependem muito da informação dos genes alterados para funcionar. Uma forma das famílias se manterem atualizadas sobre o andamento dessas pesquisas é através do site do FDA: clinicaltrials.gov. Nesse site, basta digitar “autism” ou “ASD” (TEA em inglês), ou mesmo o nome do gene alterado no campo de busca, para que apareçam todos os ensaios clínicos em andamento. Além disso, as famílias podem procurar saber se existem iniciativas que estariam recrutando indivíduos e resultados parciais que estejam disponíveis para consulta.

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Neurocientista, professor da faculdade de medicina da Universidade da Califórnia em San Diego (EUA), diretor do Programa de Células-Tronco da mesma universidade e cofundador da startup de biotecnologia Tismoo biotech e da plataforma social Tismoo.me.

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