29 de novembro de 2021

Tempo de Leitura: 4 minutos

Por Profª Claudia Moraes

Vice-presidenta da ONDA-Autismo; Professora; Pedagoga, Especialista na Educação na Perspectiva do Ensino Estruturado;  Mestranda em Educação com Especialização para Formação de Professores.

É assim que vemos nossos filhos(as) autistas adultos hoje?

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É assim que a sociedade em que estamos inseridos os trata?

Há mais de 20 anos, quando comecei a busca por um diagnóstico correto para meu filho, digo correto porque diagnósticos ele teve muitos, mas todos equivocados, e ele o conseguiu realmente aos 12 anos de idade.

Foram tantas lutas que tive de travar com o desconhecimento do transtorno, com o preconceito, com a falta de informações, com a falta de atendimento clínico e educacional especializados, com a falta de políticas públicas.

Naquele período, éramos poucos pais, sozinhos, contra um mundo que desconhecia o autismo. E a proporção de autistas, segundo as estatísticas naquela época, era de mais ou menos 1 a cada 10 000 nascidos, e hoje com a proporção de 1 a cada 59, continuamos ainda travando quase que as mesmas lutas.

E é por haver trilhado um caminho que muitos de vocês ainda não trilharam, pois acredito que muitos sejam de pais de crianças, é que estou aqui, para lhes chamar a atenção para a questão do autismo na fase adulta.

Para dizer-lhes que é preciso conscientizar a sociedade sobre esse tema.

Há bastante tempo, uma senhora me contou, que ao receber o diagnóstico do filho, o médico lhe disse:  -Seu filho tem Autismo Infantil.

E ela como desconhecia o assunto, ficou atordoada no começo, ao receber a notícia, mas depois pensou com seus botões: – É uma doença da infância, quando ele crescer tudo já terá passado.

Como eu já havia dito no começo do texto, essa foi uma forma de se acalentar.  Mas só um tempo depois, pesquisando, foi descobrir que o autismo não desaparecia com a infância. Seu filho poderia melhorar, mas que continuaria sendo um autista, na adolescência, na idade adulta e na senilidade…

Com o passar do tempo, vem a experiência e o coração dos pais sempre se aperta quando pensam: – O que vem depois? O que será de meu filho quando eu já não mais estiver por aqui?

Uma vez li a seguinte frase: “No autismo, o movimento para a vida adulta deve ser como cair em um abismo. Mas, recordo-me que, ainda no tema abismo”. Nietzsche disse: “Quando você olha muito tempo para dentro de um abismo, o abismo olha de volta para dentro de você”.

E essa é uma verdade que nós pais de autistas adultos descobrimos da pior forma: a queda no abismo e os seus questionamentos sobre nós.

Com isso estou querendo dizer que a diferença entre os serviços disponíveis às crianças e os disponíveis aos adultos é gritante.

Autistas adultos, de uma maneira geral, não têm acesso ao trabalho; a escola (quando os aceita) já não é adequada; muitos terapeutas passam a não acreditar que eles venham a apresentar melhoras e acham que investir neles é tempo perdido; não há lazer adequado; os pais já estão cansados, envelhecidos e sem o mesmo pique do início da vida.

Em tudo fica mais difícil para os adultos. A falta de residências abrigadas ou assistidas, onde eles possam conviver com outras pessoas de sua idade, e onde os pais possam ter confiança em deixá-los, tiraria de suas costas o peso de não saber o futuro dos filhos quando eles já não estivessem por aqui. Essa é também mais uma das nuances da dura realidade que as famílias têm de passar.

Charlotte Moore, autora do livro George & Sam (sobre seus dois filhos autistas), diz com muita propriedade que “quando seus filhos estão presos em um mundo de gritos e autoagressão, você gostaria de receber um tratamento seguro para aliviar os sintomas”, mas que não é o mesmo que “desejar que o autismo desapareça”.

Além disso, não é isso que os pais com os pés na realidade do transtorno querem para os filhos, que seus “autismos” desapareçam. Queremos mesmo é a oportunidade de tratá-los, a oportunidade de fazer diferente, de poder abrir-lhes o horizonte.

Como se não bastassem todas sobre os pais, precisamos ainda mostrar às pessoas e principalmente aos governantes (sim, aqueles que nós mesmos colocamos no poder) que o destino de um autista adulto não deve se limitar a ingerir grandes doses medicamentosas (afim de tranquilizá-los) e serem colocados em frente a uma TV pelo o resto de suas vidas.

Eles podem se tornar adultos independentes e produtivos para a sociedade, e para isso, eles só necessitam de investimento. Um projeto de atendimento ao autista adulto é vantajoso, nossos governantes precisam aprender a olhar a longo prazo.

O custo que um autista adulto dá aos cofres públicos, se este for investido num atendimento especializado, é menor que os gastos com internações constantes ou prolongadas, com medicações excessivas e muitas vezes desnecessárias.

Também não devemos aqui olhar apenas o lado do investimento financeiro, mas o investimento na qualidade de vida de cidadãos, que devem ter os seus direitos respeitados.

Fornecer apoio e atendimento especializado para melhorar a vida dessas pessoas e suas famílias tem compensação certa ao longo do tempo. E a nós, pais, caberá o direito que ainda não nos é dado: viver uma velhice sem tantas preocupações em relação àqueles que estaremos deixando neste mundo.

Também o direito inalienável de morrer, isto mesmo, eu estou falando sério, “o direito de morrer”, pois até isso nos é negado na atual situação de nosso país com relação ao apoio que deveria ser dado aos autistas no caso da morte de seus pais.

É certo que nós, pais de autistas, temos os nossos muitos superpoderes, pois fazemos multiplicar dinheiro para pagar as intervenções, somos polivalentes e multifacetados, temos a propriedade de estar em vários lugares ao mesmo tempo, precisamos de poucas horas de sono, muitas vezes somos pais, terapeutas, educadores, enfermeiros, cabeleireiros, etc.

Agora, o poder de sermos eternos ainda não nos foi dado, mas, bem que se pudéssemos escolher…

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