1 de dezembro de 2021

Tempo de Leitura: 4 minutos

Foram dois dias de audiência pública no Supremo Tribunal Federal, com o objetivo de instruir os ministros na decisão pelo retrocesso do Brasil, ou não, com a (re)criação e promoção de escolas especiais e classes especiais.

Venho aqui como mulher, negra, autista, favelada, e professora da rede pública, em nome do Movimento Vidas Negras com Deficiência Importam. 

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Não há nada de novo que eu possa dizer aqui que já não tenha sido dito contra o decreto 10.502, que institui a Política Nacional de Educação Especial Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida (PNEE), mas gostaria de chamar atenção para a história e trajetória do nosso país por uma educação inclusiva levando em consideração a perspectiva de raça e deficiência. 

Historicamente o nosso país tem uma trajetória racista e capacitista, e para entender a dinâmica segregadora desse decreto nós precisamos recorrer à história da luta das pessoas com deficiência por uma educação inclusiva no Brasil. Pensar em educação inclusiva sem levar em consideração a realidade do povo preto com deficiência desconsidera como os processos educacionais são diversos.

Hoje é um dia histórico. 

Não só  porque é a primeira vez na historia deste pais que um movimento  negro de pessoas com deficiencia é convocado a falar sobre educação inclusiva dentro de uma pescpectiva interssecional entre raça e deficiência. Mas porque hoje é um marco na história da Educação do Brasil. E o que está em julgamento, para além da  inconstitucionalidade do decreto 10.502, é a concepção sobre o que é Educação inclusiva e o que é Educação no nosso país.

Nas periferias não há acesso ao diagnóstico correto e nem comprometimento com a identificação de barreiras no processo de ensino, gerando assim dificuldade de inclusão no ensino regular, apesar de garantido por lei. 

O olhar médico sobre o processo de aprendizagem dos alunos prejudica e faz com que a gente patologize comportamentos tirando o direito da criança com deficiência de ser quem é. 

Essa prática é mais recorrente em alunos periféricos e pretos.  

Mas todas essas problemáticas dentro da escola não são em função da nossa deficiência, e sim em função de um sistema educacional que não inclui e nem investe em inclusão. 

A mentalidade capacitista de toda comunidade escolar somada à falta de debate sobre como o capacitismo oprime e atinge as pessoas com deficiência ﹘ e pessoas pretas com deficiência nas favelas ﹘, faz com que nós nos enganemos que o nosso inimigo é a diversidade  e não a falta dela nos espaços escolares. 

A Educação inclusiva na periferia acontece antes da entrada do aluno com deficiência na escola. A favela é diversa!

Não nos faltam exemplos de como a inclusão deu certo dentro das escolas regulares, eu mesma como professora, já vivenciei experiências positivas  muito singulares e  importantes para minha jornada. 

E aqui eu penso em meus alunos com Paralisia Cerebral  com alto nível de suporte  que no ano de 2019 ensinou pra toda escola que estavam: O que era inclusão a partir de uma atividade sobre “pangeia” proposta em um livro no qual, eles, inicialmente não  tiveram total compreensão do conceito apenas sendo exposto de forma oralizada. E ao questionar,  nos fez pensar uma nova forma de ensinar através do concreto.

Sem precisar de muitos materiais levamos pra sala de aula, uma bacia com água, um mapa mundi cortado e a explicação, por meio da prática, para todos os alunos da sala de aula sobre o processo da pangeia. 

Vimos uma resposta imediata de compreensão dos alunos e de curiosidade diante do inesperado: a forma diversa de aprender!

Naquele dia, eu pude perceber e acreditar que todos têm condições de aprender e se desenvolver na escola regular. .

Basta um ambiente seguro, acolhedor e inclusivo.

Entretanto, faltam espaços de debates sobre Educação inclusiva na escola regular que levem em consideração o protagonismo das pessoas com deficiência.

Não existem soluções fáceis para problemas complexos .

Não é construindo ambientes segregados para receber crianças com deficiência que daremos conta da educação. A existência de alguém não deve [atrapalhar] e não atrapalha o processo de existir e de aprender de outros.

O papel da escola no processo da aprendizagem é de derrubar barreiras de impedimento e garantir o ensino. Esse processo é educacional, ele não pode em hipótese nenhuma ser confundido com clínica, terapia e afins. 

A escola não é lugar de médico.

A escola não é lugar de laudo.

É de responsabilidade do Estado, junto da comunidade escolar, pensar em formas de educar, possibilitar, acessibilizar e facilitar os processos educacionais.

Recentemente nós nos deparamos com falas extremamente absurdas e capacitistas  do nosso ministro da Educação, que disse: “há pessoas com níveis de deficiência que são impossíveis de conviver”. 

Se nós entendermos que a deficiência faz parte da diversidade humana, como vamos pensar em propor políticas que incitam à intolerância e naturalizam que corpos de diversos não devem coexistir em espaços sociais?

E apesar da minha realidade dizer que a minha existência foi abandonada pelo Estado, eu sonho com um futuro verdadeiramente anticapacitista.

Eu luto por uma educação que não segregue.

Eu luto por uma escola que inclua, verdadeiramente, pessoas com deficiência, pessoas pretas, pessoas dentro de toda a diversidade humana.

Escola Especial não é inclusiva.

E não é só por mim! É pelo meu filho autista com alto nível de suporte. E por todos os alunos que eu atendi como professora de apoio.

Vidas negras com deficiência lutam, existem e resistem.

Nada, absolutamente nada sobre nós, sem nós!

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É autista, mãe do Luiz (autista) e da Elisa, professora da Rede Estadual de São Paulo. Ativista pela neurodiversidade e membro da ABRAÇA. Atua nas redes falando sobre a relação entre a luta antirracista e anticapacitista.

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