26 de julho de 2022

Tempo de Leitura: 5 minutos

Domingo, 24 de julho, foi o aniversário da Lei n.º 8.213, de 1991. Há 31 anos a Lei da Previdência Social foi promulgada, e em sua Seção VI, Subseção II “Da Habilitação e da Reabilitação Profissional”, ela embutiu dispositivos que obrigam empresas a destinarem uma parcela de suas vagas para pessoas reabilitadas, habilitadas ou com deficiência, conforme texto vigente:

“Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:

I – até 200 empregados: 2%;

II – de 201 a 500: 3%;

III – de 501 a 1.000: 4%;

IV – de 1.001 em diante: 5%.”

Pesquisando dados oficiais nos deparamos que, atualmente, a participação dos(as) trabalhadores(as) com qualquer deficiência é de 1,1% sobre o total de vínculos formais ocupados. Em relação ao recorte por tipo de deficiência, a maior parte das vagas fechadas foi de trabalhadores(as) com deficiência física (47,1%), auditiva (23,9%), além da visual (12,6%), intelectual (9,6%), múltipla (5,1%) e reabilitados (1,6%).

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Ou seja, 0% da população em idade laboral são pessoas com deficiência intelectual (DI) inseridas formalmente no mercado de trabalho. Desconcertante.

De fato, as ações de fiscalização por parte do Ministério Público quanto ao preenchimento de vagas pela PcD contribuem para o avanço nas contratações. 

Entretanto, quando a aplicação de multa é levada ao Poder Judiciário, é muito comum que haja a dispensa de aplicação de penalidade quando as empresas comprovam terem “envidado seus melhores esforços” para contratar as pessoas com deficiência, sem lograrem localizar candidatos às vagas. Na maioria das vezes o Tribunal Superior do Trabalho não adentra no mérito quanto ao tipo de vaga e à qualificação requerida pela empresa. Quiçá uma vaga idealizada especialmente para dar cabo à Lei.

Ainda por parte do Judiciário, uma notícia “não ruim” é que o STF recentemente julgou o Tema 1046 e entendeu não ser cabível que acordos e convenções coletivas do trabalho deliberem sobre Direitos Absolutamente Indisponíveis – aí incluídas as vagas destinadas às pessoas com deficiência e, consequentemente, a diminuição da base de cálculo para o preenchimento destas vagas, tal como alguns setores praticavam.

Pesquisa recente realizada pela Great Place to Work sobre tendências para gestão em 2022, a qual contou com 2654 respondentes da área de Recursos Humanos e de cargos de liderança, revelou que o tema diversidade e inclusão (D&I) — que estava ganhando força ao longo dos anos em que a pesquisa fora realizada — despencou. Em 2021 o foco em D&I representava 37%, e em 2022 foi para 17,9%. Dentro do grupo de Diversidade e Inclusão as empresas focaram a maioria de suas ações junto ao grupo de mulheres com 28%, 21% com o grupo étnico-racial, 20% com as pessoas com deficiência, 19% com o público LGBTQIA+, 10% com o grupo 50+.

Os dados acerca da incidência da deficiência são gigantes. Aproximadamente 45 milhões de pessoas com deficiência no Brasil (24% da população), e destas, 2,4 milhões se autodeclaram com deficiência intelectual. Uma nota técnica de 2018 propondo releitura dos dados reduziu o número total para 12,7 milhões — mantendo o número da deficiência intelectual. Sabe-se que a subnotificação é um fato e que até hoje o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) nunca fora incluído na pesquisa do Censo — o que se espera seja realizado neste ano.

Claro, quem paga a conta é a sociedade. No mês de março de 2022, tinham sido quase R$3 bilhões de reais com o BPC para pessoas com deficiência.

Penso ser urgente uma mudança profunda de cultura por parte de diversos setores públicos e privados. 

Face à nula inserção formal, e ao cenário negativo que as pessoas com deficiência enfrentam, o empreendedorismo torna-se uma alternativa efetiva para a geração de renda por parte deste público.

Meu filho tem a síndrome do X-Frágil (depois da Síndrome de Down a segunda síndrome causadora da deficiência intelectual), e apesar dele ter apenas 8 anos, quis entender um pouco sobre o que nos aguarda: a vida adulta da pessoa com deficiência. 

Fiquei negativamente impactada com toda estrutura que encontrei. A atuação pública e privada ainda peca para dar cabo, minimamente, à uma lei que tem 31 anos.

Mergulhada num problema grande, vi a oportunidade da solução e estava com motivação a mil.

Fundar um negócio de impacto social objetivando fomentar o empreendedorismo da rede da pessoa com deficiência, principalmente intelectual, me pareceu ser uma resposta legítima e positiva. E assim nasceu a Basicx.199.

31 anos da Lei de Cotas para PcD: temos algo a comemorar? — artigo de Renata Friedman para o Canal Autismo / Revista AutismoPelo meu filho, estudei muito sobre diversas terapias aplicáveis às pessoas com deficiência intelectual: psicologia comportamental, terapia ocupacional, fonoaudiologia. Aos poucos, conheci também o universo do emprego apoiado. Junto a um time, elaboramos nossa própria metodologia para os serviços que prestamos. 

Nossa intenção é fomentar o empreendedorismo e geração de renda para incentivar estas pessoas a ganharem autonomia, independência e, por fim, a tão sonhada dignidade.

Acredito que a BasicX.199 está chamando a atenção do mercado por alguns fatores, sendo o principal o nosso ineditismo na junção de atividades já conhecidas: a assistência e capacitação da pessoa com deficiência, a contratação e a distribuição de produtos e serviços para, assim, fomentar o empreendedorismo desta rede.

Em um ano já impactamos 40 famílias da rede da deficiência. Um número relevante para o crescimento orgânico que tivemos.

O modelo de negócio que prototipamos se mostrou sustentável. Encontramos portas abertas em empresas de diversos portes para nossa rede confeccionar produtos do portfolio próprio da BasicX, assim como para fazermos brindes corporativos que estão fora do catálogo. 

O apoio ao empreendedorismo conversa com a nova geração de consumidores. Ao entender sobre a relevância e imprescindibilidade da causa à emancipação social das pessoas com deficiência, uma empresa que se envolve certamente se habilita a desenvolver mais ações inclusivas. Cientes quanto ao crescente público consumidor inclusivo e que uma marca diversa se comunica com todos os públicos e não apenas com as minorias que impactam, as ações das empresas conosco acabam sendo mais saudáveis. 

A neurodiversidade ainda é tabu. Precisamos desmistificar conceitos, quebrar barreiras culturais e atitudinais, e transformar olhares sobre a capacidade e produtividade destas pessoas. 

Concluo que não temos muito o que comemorar neste aniversário de 31 anos da Lei n. 8213/91. E, ainda que o macro cenário da empregabilidade avance de alguma maneira, entendo que o empreendedorismo, realmente, é a solução mais efetiva à geração de renda para este público.

Independência, autonomia, inclusão, cidadania, liberdade e dignidade. Para todos.

31 anos da Lei de Cotas para PcD: temos algo a comemorar? — artigo de Renata Friedman para o Canal Autismo / Revista Autismo

Renata Fridman acompanha Marjorie na investigação de seus interesses e habilidades.

CONTEÚDO EXTRA

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Advogada, voluntária de algumas instituições sem fins lucrativos e cofundadora da BasicX.199, um negócio de impacto social que fomenta o empreendedorismo da rede da pessoa com deficiência, principalmente intelectual.

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